Capítulo 3

421 41 13
                                    

• Maiara •

A beleza das tragédias é que elas podem muito facilmente serem resumidas. Minha vida é o maior exemplo disso, pois a desgraça é bastante sucinta.

Quando digo isso, significa que meu ex-namorado me traiu, a floricultura mantida por minha tia e eu está falindo, desisti do meu sonho de me formar em paisagismo e que em breve seremos despejadas.

Bem, não tão sucinta. Quase perdi meu emprego como garçonete em um bar de beira de estrada, onde trabalho fazendo bico à noite para ajudar nas despesas. Um homem fedendo a suor e tabaco passou a mão em mim, joguei uma caneca de cerveja nele e fui descontada. Qual a dificuldade de entenderem que o errado da história foi o cliente, eu não sei, mas sabe aquele mínimo de dignidade que mantém todo desesperado de pé? Eu o mantive presenteando o cidadão com um banho de álcool e um imenso desejo de riscar o fósforo.

Agora estou aqui fazendo arranjos que eu não sei se serão vendidos, sonhando com os óleos essenciais que eu não poderei criar, vendendo o almoço para comprar a janta e garantindo que minha tia terá uma vida feliz.

Ela me criou desde que me lembro e não é justo passar tanta dificuldade assim. Sinto que falhei com ela quando optei em investir na floricultura, ao invés de ingressar em uma faculdade. Eu poderia trabalhar em uma empresa agora e ter qualquer emprego tradicional que pagasse as contas.

Mas não, eu quis sonhar, e o preço foi alto.

A sineta da loja soa, e encaro uma mulher loira e elegante entrando, encarando minhas bebês gritando por socorro e implorando para não serem vendidas para quem não sabe cuidar delas. Minha pobre samambaia respira de alívio, pois sabe que não será escolhida.

Maiara: Bem-vinda. — Digo — Em que posso ajudar?

XX: Plantas, é claro. — Esnobe. Meu radar nunca falha. — Algo que demonstre dedicação. Quero que ele olhe, e se lembre de mim todas as vezes.

Uma planta que lembra a loira? A samambaia, definitivamente. Chama a atenção e quase ninguém gosta.

Maiara: Sugiro a hoya kerry. — Aponto e encaro a cara feia da moça.

XX: É um cacto. — Diz com desdém.

Maiara: Sim. É forte, sobrevive a escassez e a dureza dos dias, mas se mantém sempre vivaz em seu formato de coração.

XX: É sem graça. Tem certeza de que você sabe o que está fazendo?

Maiara: Que tal uma orquídea? — Digo o básico, e ela olha maravilhada para a flor que provavelmente irá morrer em poucos dias. Não é uma planta para qualquer um. Deve ser amada em seus cuidados. Normalmente, termina afogada por água.

XX: Vermelha! Impossível não se lembrar de mim. — Diz satisfeita, encarando-se no reflexo do espelho atrás de mim.

Maiara: Vou arrumar o vaso e já trago. — Não menciono a entrega, pois tivemos que dispensar o entregador.

XX: É para entrega. Vocês entregam, não é?

Ah, sorte, quando vai sorrir para mim?

Maiara: Estamos sem entregador no momento, mas... — Analiso as minhas chances. Não posso perder uma venda. — Entregamos sim.

XX: Ótimo! Tem que ser às 15h da tarde, para que ele me veja logo em seguida. Nem antes, nem depois.

Maiara: Em nome de quem?

XX: Para Fernando Zorzanello. No remetente, coloque apenas "Para lembrar-se de mim".

Maiara: Não deseja escrever o cartão? — Digo, fingindo ignorar o fato de que as flores são para o "cara" que toda semana aparece em destaque nas revistas de fofoca que minha tia adora.

Um Contrato de NoivadoOnde histórias criam vida. Descubra agora