Capítulo 32

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• Fernando •

O que eu estou fazendo?

Malditamente o silêncio dela que se seguiu foi ensurdecedor e me vi repetindo em um looping meus últimos dias, que refletem uma confusa variação na linha fixa que tracei para a minha vida. Eu não deveria me importar com culpas, ou, seja lá o que for, mas isso parece me distinguir dele e me confunde.

Pela primeira vez uma distância me incomodou e lidei da única forma que eu conheço: celebrando acordos. Deve ser uma espécie de fixação bizarra e logo termina, mas o contrato seria um empecilho.

Em qualquer outra situação eu adormeceria o desejo à racionalidade, mas a perdi naquela noite em meu quarto, imprensando-a contra mim e, mais uma vez, na fúria dos seus olhos afastando-se. Perigoso.

E tudo o que é perigoso deve ser dominado, antes que me domine e crie amarras com as quais eu não saberia lidar. E eu vejo as amarras encarando-me e sorrindo quando noto sua face ficar corada e como seu corpo já acha natural o meu toque, sem repelir como fazia no início. Vejo-as quando me noto percebedor de cada mudança nas suas nuances quando eu chego muito perto.

Por isso, o que eu ofereço é simples: sexo até que o contrato acabe. Ninguém fica em abstinência e essa maldita atração entre nós diminui na medida em que a novidade perder a graça e essa vontade insana de experimentá-la se esvair até desaparecer completamente.

E o mais importante: não corro o risco dela tentar me dar qualquer golpe, como Raquel e tantas outras já tentaram. Sou quase um prêmio de loteria que Maiara não quer. E isso é ótimo.

***

Os dois últimos dias foram corridos com a sexta-feira do lançamento se aproximando e, desde o dia em que encontramos Tadeu eu não encontro Maiara Pereira. A mulher falante e eu não pudemos brincar de namorados e ela claramente se aproveitou disso para não dar a resposta que eu esperava.

Bem, não a resposta, mas definitivamente não mais em silêncio. Encaro São Paulo da imensa vidraça do escritório apreciando meu charuto envelhecido. As notas de chá, encorpadas, preenchem minha boca, lembrando-me carvalho, quando meu celular brilha em minhas mãos. Sem texto, vejo apenas uma fotografia de uma flor avermelhada ao lado de outras iguais, porém lilases. Papoula, cujo nome aprendi com ela. A planta se encontra pendurada em minha varanda, ornando com a rede azul, como se sempre tivesse sido o lugar perfeito para elas.

Em seguida, vejo que ela está escrevendo e aguardo, uma incomum ansiedade tomando conta.

"O jardim ficará pronto em breve. A papoula precisa de muita luz, senão morre. Até o coquetel! Boa noite, Fernando Zorzanello!".

Chego ao apartamento ansioso para descansar, deparando-me com a pequena zona de guerra que se instalou na minha casa. Uma confusão de terra, ferramentas, regadores e um par de galochas imensas que devem caber as pernas dela até altura da coxa de tão grandes, estão espalhados na área externa.

Abro a porta, mas não me atrevo a pisar no espaço, tamanha zona, mas reparo a ausência da rede. Olho ao redor, mas desapareceu. Se bem que, se eu cavar, a pobre deve estar soterrada na minha cobertura.

Não a vejo há dois dias, mas é como se não tivesse ido embora, deixando notas e enviando mensagens sobre coisas sérias, coisas banais.

Plantas.

A mulher me enviou a fotografia de cada muda que escolheu para o jardim do meu apartamento. Diferente do jardim da mansão, que está sendo executado por uma equipe sob instrução de Maiara, o meu ela faz com as próprias mãos, enquanto registra tudo para a minha aprovação.

Um Contrato de NoivadoOnde histórias criam vida. Descubra agora