Capítulo 62

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• Fernando •

Sair daquela cama para trabalhar foi, consideravelmente, a coisa mais difícil que eu já fiz na vida. Mas, todos os dias de glória chegam com os dias de luta e a minha foi encarar dona Áurea sentada de forma imponente no sofá da sala assistindo à minha fuga infeliz de sua casa.

A ideia era não sermos flagrados e ela não começar a nos pressionar sobre qualquer coisa, mas o olhar severo sobre mim mal conseguia disfarçar a alegria de me ver ali. A senhora devia estar duelando entre sua felicidade e a sua moral, pois ao mesmo tempo que bradava um "viva", suas narinas inflaram de indignação.

Dei o meu melhor "bom dia" e sorri, de forma galante, quase convidando-a para um café. Maiara ainda dormia pesado quando sai e deixei-lhe uma mensagem e um desejo de boa sorte.

Quando foi que nos tornamos adolescentes travessos que burlam regras para se ver? Acho graça e até mesmo certa leveza nisso. Não recordo de sentir qualquer sensação semelhante, pois com as outras, eu as conhecia, fodia e ia embora sem sequer lembrar-me de seus nomes. Às vezes conseguiam voltar para minha cama, apenas porque foram esquecidas. Não havia dentro de mim uma ansiedade para que fossem lembradas.

Maiara, pelo contrário, é uma constante. Pode-se comer e trabalhar, atravessar todo um trânsito e fechar o maior negócio de uma empresa, mas em todas essas ocasiões ela está em minha mente, sobressaindo a tudo isso.

Não sei que espécie de sentimento é esse que domina cada espaço, mas é ele que me deixa justamente assim, sorrindo feito um adolescente. Talvez possa me comparar a um, pois Maiara é o meu primeiro amor. O único.

Entro na minha sala no escritório e sorrio ao ver as mudanças nada sutis que a florista ocasionou, o primeiro vaso de planta que nos uniu ali, reinando sobre todos aqueles que se seguiram ordenadamente até que tudo se expandisse em um lindo jardim na sacada.

O espaço integrado deu vida ao que antes era pura sobriedade. Ela fez questão de deixar suas marcas em absolutamente todos os lugares.

Sorocaba: Que bom que está feliz, pois preciso do seu bom humor nesse minuto. — Sorocaba invade minha sala.

Fernando: Você precisa de férias. — Reclamo.

Sorocaba: Sim, da invasão da minha casa. Invasão completa!

Fernando: O que quer dizer?

Sorocaba: Família. Somos ou não privilegiados?

Fernando: Sua mãe?

Sorocaba: Exato. Quer vir para a minha casa e eu preciso de uma desculpa muito plausível para ter uma imigrante ilegal cozinhando como uma doida no meu apartamento.

Fernando: Diz que a contratou, e de preferência, omita a situação legal dela no país. Simples!

Sorocaba: Você não passa muito tempo com Biah, não é? Mulher teimosa. Se eu disser para ser minha empregada de fachada, ela coloca arsênico na sobremesa e me entrega sorrindo.

Fernando: Vou pedir a Maiara para que a convença. Será por quanto tempo?

Sorocaba: Vai saber? Minha mãe já ficou por dois dias e já me enrolou por dois meses. Você a conhece... ela é...

Fernando: Controladora. Tenho certeza de que Biah saberá lidar e seria mais fácil se o visto tivesse saído, não?

Sorocaba: Claro! Sou uma máquina! — Resmunga, encarando minha risada. — Você exige favores e adivinha, seu avô também. Estou tentando atender os dois e, com isso, travando o procedimento de liberação do visto. — Bufa. —  Eu preciso surfar. — Afirma sobre seu hobby de relaxamento favorito.

Fernando: Te devo férias. Lembre-me disso. —  Digo quase com pena, pois ao contrário dele, mesmo com todos os problemas, considero-me feliz. — Mas, diga, o que Bernardo fez?

Sorocaba: Suspeito, não é? Mas ele não faria nada que prejudicasse a Zor. Você e o mundo todo sabe disso, isso aqui é a vida dele. Quer apenas se tornar um incômodo.

Fernando: Precisamos pensar em alguma alternativa. Enfim, alguma notícia sobre Almeida? — Questiono sobre o tema do meu principal incômodo.

Sorocaba: Está em casa se recuperando e ingressou na via judicial. Um amigo na Corte me informou que você ainda será intimado. De qualquer modo, conhecendo-os, já sabe que tentarão algum acordo e vou ficar de olho nisso. Pode ser melhor...

Fernando: Acordo com Almeida? Nem pensar.

Sorocaba: Você prefere perder o contrato com Giordano porque essa história foi mais longe que o necessário?

Fernando: Meu projeto falará o necessário. Esse é o maior investimento que já fiz em um projeto e você sabe disso. Se Giordano recusar, qualquer outro irá querer.

Sorocaba: As pessoas nesse projeto são confiáveis?

Fernando: Não confio em ninguém nesse caso e cada setor trabalha em um braço da operação, mas apenas eu tenho acesso ao todo. Esse projeto, com ou sem Giordano, já vale bilhões. Já registrei a propriedade intelectual, mas você sabe como funciona...

Sorocaba: Ainda assim, se oferecerem algum acordo, vamos analisar. Não negue sem saber, Fernando. Olhe o todo e não foque na raiva que sente de Almeida. — Ele se joga na poltrona e massageia as têmporas.

Fernando: Por que não me contou que Bernardo tentou subornar Maiara?

Sorocaba: Ela contou. —  Conclui. — Ela pediu, irmão. E, conhecendo a relação entre você e ele, sei que estava certa. Você já estava metido em uma confusão das grandes, não precisávamos piorar tudo. Respeitei a decisão dela.

Fernando: Ele é inacreditável.

Sorocaba: Não muito diferente de nós, Fernando. Ela chegou até aqui por dinheiro e seu avô apenas usou da mesma lógica.

Fernando: Porque ela precisava. — Defendo-a.

Sorocaba: Sim, isso é um fato. Mas se você e eu, sem conhecê-la, usamos essa lógica, não é absurdo que Bernardo tenha feito o mesmo. Sabe, algo que Biah comentou e até faz sentido. Nós não estamos na pele delas para saber como é viver sob o julgamento de que estão prontas a aceitar toda e qualquer oferta. Como se elas custassem e aceitassem um preço sobre suas cabeças.

Fernando: Está defendendo a atitude de Bernardo?

Sorocaba: Se o condenamos, nós somos igualmente culpados, irmão.

Maria: Senhor? — Minha secretária surge com o semblante ansioso. — O senhor Bernardo chegou.

Fernando: Mande-o entrar. — Ela se retira e encaro Sorocaba. — Se tiverem uma proposta de acordo, aceito ouvir. Cuide disso. E obrigado, amigo.

Sento-me na minha cadeira, tornando-me o mais imponente possível e preparando-me para falar com Bernardo, após semanas de silêncio. Sua maior fúria é perder esse contrato e manchar a empresa que rege cada passo da sua vida desde sua juventude.

Seu maior orgulho era o fato de eu segui-lo sem desvios e eu sei que ele pretende restabelecer a rota, surpreendendo a todos em um momento mínimo de distração.

Um Contrato de NoivadoOnde histórias criam vida. Descubra agora