Capítulo 100

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• Maiara •

O silêncio parece ser pacífico para quem precisa cicatrizar. Eu sei que esse momento de cura é necessário, pois eu mesma o vivi quando parti. Nos encaramos, deitados na cama e virados de lado, um diante do outro. Apenas nos olhamos, cada um preso ao seu pensamento, enquanto desnuda o outro.

Dias atrás se me dissessem que eu estaria nessa situação, de velar o luto de Fernando eu riria. Acharia insanidade desmedida alguém cogitar que seria justamente eu quem estenderia a mão. Que o entenderia. E desejaria desesperadamente que ele se recuperasse.

Fernando é o quebra vento. Lembro-me quando ele disse essas palavras avisando-me que me separaria da tormenta, para logo em seguida envolver-me em uma.

Mas de todo modo eu tive esse tipo de proteção por toda a vida. Meus pais e minha tia cumpriram isso e me deram a força de não me permitir render às circunstâncias. Minha entrega é temporária.

Quando alguém olha para uma Pereira imagina tudo, exceto força em meio às flores e encantamento. Quando alguém encara um Zorzanello vê força e poder. Mas nunca, jamais sonhariam que é justamente o oposto. Eu me deixo destruir e me reconstruo porque aprendi a fazer isso. É o que toda Pereira que saiu de seu estado natal, para uma vida mais digna, faz. Mas um Zorzanello, que sempre teve tudo, não sabe o que fazer em meio à ruína, porque eles jamais ruíram.

Uma tragédia é perder os pais em um acidente. É uma fatalidade, sobre a qual não detemos qualquer controle. Mas, e quando o fardo é pesado demais para se entregar à morte? A morte é fácil, pode ser até tranquila. Mas nunca é justa quando aquele que se entrega não pode lutar. Não tem forças, não tem suporte e não tem motivos para isso.

Porque Stella não foi um motivo, Fernando muito menos... nenhum deles foi o bastante para que Sérgio decidisse lutar.

Maiara: Precisa dormir. — Afirmo. Ele apenas nega suavemente com a cabeça.

Fernando: Não quero perder isso. — Responde com um suave aperto.

Maiara: Isso foi...

Fernando: Não diga que foi um erro.

Maiara: Inevitável. — Assumo.

Fernando: Sim.

Maiara: Não quero que seja apenas inevitável. Vamos fazer de nós uma escolha, tudo bem?

Fernando: E o que você escolhe?

Maiara: Um passo de cada vez. — Sorrio, me levantando. — Sua avó já chegou da rua. Fico feliz que ela esteja aqui com você.

Fernando: Você não é muito sutil quando muda de assunto, sabia? — Ele ameaça colocar a mão em minha barriga, mas recua.

Fico encarando-o e pego a sua mão, depositando um beijo suave e logo pousando-a em meu ventre protuberante. Sua mão enorme parcialmente cobrindo a nossa pequena cria, um contraste fazendo um bonito conjunto.

Ele parece hipnotizado na junção, no momento e espaço único no qual nós dois e a raposinha nos fazemos um. Seus dedos se movem sentindo a firmeza da minha barriga e eu o vejo sorrir.

Bernardo não pode destruí-lo, quando nosso bebê vale e tem muito mais força. Fernando ergue a outra mão e coloca-a na minha lateral, logo se atentando à minha mão despida. Apenas a marca da aliança adornando minha pele em uma incômoda lembrança do que fomos.

Ele toca meus dedos, como se lembrasse que nós dois escapamos por entre os seus, mas ao contrário do que eu tenho feito, não fujo. Não sou corajosa o bastante.

Um Contrato de NoivadoOnde histórias criam vida. Descubra agora