Capítulo 80

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• Maiara •

Logo cedo, vejo Tia Áurea preparando uma vitamina bem fedorenta, mas não dizemos nada, apenas tentamos dar alguma normalidade na nossa vida.

Áurea: Bom dia, meu bem. Aqui, seu café da manhã. — Ela coloca diante de mim um copo da bebida asquerosa e seu olhar ansioso espera que eu, de fato, beba essa coisa.

Maiara: Nem pensar, isso fede.

Áurea: Isso é vitamina. Sua mãe bebeu quando esperava você, sua avó bebeu antes de parir nós duas e agora você, senhorita Pereira, seguirá a tradição.

Maiara: Tia, você colocou alguma coisa morta aí, não é? — Digo, sentindo o cheiro cravar dentro de mim a ponto de me fazer sentir o sabor.

E é horroroso.

Áurea: Nada morto, apenas vitaminas que o seu corpo precisa.

Maiara: Vendem esse tipo de coisa em cápsulas, sabia? E eu tenho um monte delas para tomar.

Áurea: Você tem que estar forte. Pretende ter uma eclampsia?

Maiara: Tia, minha pressão se alterou pelo estresse. O médico disse que eu preciso de calma, tranquilidade e nenhum transtorno, a fim de evitar que minha gestação se torne de risco. Mas, com certeza, ele não falou nada sobre bebidas fedidas.

Áurea: Você sentiu doer ontem, não foi?

Maiara: Não me lembre disso. Eu senti tanto medo...

Áurea: O bebê sente. Sente tudo, o ambiente, o humor... sabia que você fazia sua mãe parecer um ET durante a gestação? A barriga virava para o lado em que a voz de Marco César estava. Sempre o xodó do seu pai. Uma vez sua mãe brigou com uma cliente e fomos parar no pronto socorro. Você queria a calma que ela não estava te dando.

Maiara: Sentir que pai e mãe se odeiam deve ser terrível. — Digo, secando a lágrima que sempre cai, enquanto mentalmente peço perdão a pequena criaturinha.

Áurea: Ele calou a boca de vocês antes que se ferissem demais. Os bebês Pereira têm o talento de gerações. Vocês poderiam ter matado um ao outro em vida e essa sementinha aí impediu.

Maiara: Seria impossível ele fazer pior.

Áurea: Ele sabia que ia te atingir, menina, não sei o que disse, mas sabia.

Maiara: Isso não o justifica. Apenas me faz odiá-lo ainda mais!

Áurea: Você não o odeia. Sabe disso melhor do que eu, mas está magoada. Mas não amargure seu coração, não por ele, mas por você, pois aquele pendejo, eu quero longe de nós. Você precisa pensar que deve estar bem, pois a missão que irá enfrentar não é fácil. Queria eu estar aqui para sempre, mas...

Maiara: Você vai se curar. — Digo. — Estamos fazendo o tratamento que Lucas prescreveu e...

Dessa vez o enjoo não me deixa espaço e me obriga a correr para o banheiro. Deixo minha alma naquele lugar, a pele pegajosa e o suor frio me fazendo tremer.

Meu Deus, voltei à estaca zero, doença, dívida e coração partido. Eu preciso devolver cada centavo que ele usou no tratamento da minha tia e em tudo. Tudo foi humilhante o bastante para que eu dê mais armas para ele acreditar que tudo o que queria era dinheiro. Meu orgulho significa um risco, mas eu sei que posso conseguir manter o tratamento.

As Pereira sempre enfrentam tudo há gerações, como minha tia sempre me recorda e minha mãe contava.

Tomo um banho gelado e tomo a medicação que Lucas e a obstetra me receitaram. Retorno, ignorando os olhares preocupados e comendo um alimento normal. Tia Áurea nada fala, pois, meu espetáculo no banheiro é a prova que não tenho condições de tomar vitamina fedida. Juro que algo morreu naquele copo.

Um Contrato de NoivadoOnde histórias criam vida. Descubra agora