Capítulo 83

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• Maiara •

Tento ignorar a lembrança dos olhos castanhos tempestuosos no segundo exato em que senti a mudança em Fernando. É naquele segundo que minha mente está paralisada: quando o fogo que queria me fulminar foi direcionado a si mesmo.

A manipulação de Bernardo ou Luiz e seja lá mais de quem parece ter se infiltrado a nível celular naquele homem, mas tal como um feitiço se desfez. Como se o fato de agora rechaçá-lo provasse minha inocência. Quer saber? Não importa!

Eu preciso seguir a minha vida, sobreviver a isso e garantir que minha raposi... meu bebê sobreviva a isso. Meu, considerando a dúvida que ele se permitiu ter.

Biah: No que está pensando? — Biah aperta a minha mão assim que nossos pés pisam na floricultura.

Maiara: Precisamos de dinheiro. — Constato o óbvio da minha vida, ignorando tudo o que aconteceu momentos atrás. — Vou terminar os meus projetos e começar algo que a gente possa dar conta. Você também precisa seguir seus sonhos, amiga e não pode ficar perdendo tempo...

Biah: Se falar essa besteira, Deus sabe que eu vou chutar a bunda de uma grávida! Você não é perda de tempo, Maiara. Família nunca é. Agora, pode me fazer o imenso favor de dizer o que está aprontando?

Maiara: Vou colocar a floricultura a venda. — Decido, não me dando tempo para sofrer. Não tenho mais tempo para isso. Cansei.

Biah: Está louca?

Maiara: Biah, você sabe do rendimento dela? Melhorou enquanto eu era uma noiva... enfim. Eu preciso vender enquanto o valor dela ainda está por cima, senão voltarei de vez à estaca zero.

Biah: Amiga, isto é a sua vida!

Maiara: Não, minha vida não são coisas. Não me confunda com ele. Minha vida são pessoas, especificamente três. Áurea, Biah e a raposinha! Bebê! Nada de raposas! Isto aqui é um grande galpão cheio de plantas que eu posso simplesmente cultivar em outro lugar.

Biah: Não vou debater isso agora com você, mas não fugirá dessa conversa, mocinha!

Maiara: Que isso? Primeiro caso de reencarnação de pessoa viva? Áurea, é você?

Biah: Palhaça!

Sorrio, talvez o primeiro nas últimas horas e encaro o espaço de suculentas, o mesmo que deu uma reviravolta na minha vida quando Raquel chegou aqui.

Biah: Tem certeza?

Maiara: Fralda é caro. — Entre flores e cocô de bebê, preciso ser objetiva.

Aqui eu vivi tantas coisas e as lembranças da minha mãe gritam fortes. O balcão no qual ela me ensinou a fazer arranjos e a mancha na madeira que eu fiz com um produto que crianças não deveriam mexer.

O cheiro de terra e verde emanando em cada canto, parece me trazer as forças que eu tinha perdido. Sabedoria. A mamãe sempre dizia que a terra tinha sua própria sabedoria e que, às vezes, nós tínhamos que ouvi-la. A terra sabe quando se renovar e sabe que de todo mal, da adubação fétida e da aparência desagradável emana justamente a vida. Os maus odores são necessários para que haja florescimento.

Os seres vivos microscópicos causadores do asco da maioria, são quem remoem a terra e a tornam fecunda para que alguém possa oferecer flores que declaram amor. No outono tudo morre, apodrece e, não a vemos fecundar. É da sua feiura que se extrai a beleza das cores e até mesmo o fôlego em um dia ruim.

A terra ensina quando não queremos aprender pelas formas comuns. Quando os maiores ensinadores não são ouvidos ou mesmo os melhores poetas são ditos ultrapassados. A terra tem tudo o que eles disseram, mas o faz em silêncio, sem a imensidão das palavras, mas com a profundidade que apenas ela tem.

Um Contrato de NoivadoOnde histórias criam vida. Descubra agora