Capítulo 108

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• Fernando •

Bernardo e Luiz utilizaram um dos meus carros para fugir. O mais discreto e aquele que mais pode confundir-se em meio ao trânsito. O plano era trocar de carro assim que saíssem dos limites da cidade, mas não contavam que Agda os entregaria.

Não sou hipócrita para culpá-la, quando ter corrido em minha direção foi o que me fez chegar a tempo dessa vez. Sorocaba chamou a polícia e Agda os bombeiros, enquanto eu dirigia enlouquecido em direção ao ponto vermelho no GPS. Minha vida inteira se resume àquele maldito ponto que parou abruptamente no meio da Ponte Octávio Frias de Oliveira. Uma piada de muito mal gosto do universo, justo o lugar em que meu pai, agora eu sei, decidiu acabar com sua vida.

Fernando: Agda por que estão na ponte?!

Agda: Fernando... eles nem deviam ter se juntado, mas se odeiam! Pode ser qualquer coisa!

Sorocaba: Não está ajudando! — Sorocaba a repreende.

Agda: Luiz está desequilibrado.

Fernando: Agda eu juro que se alguma coisa acontecer com elas...

Agda: Fernando eu mesma não me perdoaria, você pode se poupar. Eu só queria a merda do cargo! — Ela suspira, seus olhos fixos no para-brisa, como se o carro pudesse ir mais rápido com isso. — Ela não deveria ter ido lá!

Fernando: Chega de incógnitas! Quem foi aonde?

Agda: Filomena! — Minha primeira reação é parar, mas sigo, apesar da confusão em minha mente.

Fernando: Onde minha mãe foi?

Agda: Eles se encontraram hoje cedo, marcaram comigo e ela estava lá. Fernando... ela implorava perdão. — Eu começo a rir. — Ela roubou o projeto.

Fernando: Agora não. — Digo duramente. A revelação me atinge como um trem, mas Maiara precisa de mim inteiro. Ignorar a traição da minha mãe é o melhor. Agora.

Agda: Mas...

Fernando: Eu disse não, porra! — Freio bruscamente quando chegamos à ponte.

A visão que encontro metros adiante é justamente o meu carro colidido com o parapeito da ponte, parte da lataria apoiada nela e a outra parte, uma menor, completamente à mercê da gravidade.

Sigo adiante, vencido pelo pânico, quando ouço um disparo. Quantas vezes reconhecemos esse som na televisão, em um estande de tiro ou até mesmo no noticiário.

Em situações extremas, nas quais basta mudar o canal e está tudo bem na tranquilidade da nossa própria hipocrisia e ignorância. Mas ouvi-lo dentro daquele carro, onde minha família está é excruciante.

Meus olhos a buscam e meu corpo avança naquela direção, nem sinal da polícia. Sorocaba parece não conseguir vencer a força da minha ira, mas continua me impedindo, quando de repente eu paro. Os olhos do meu amor me encaram certeiros, mas não vejo neles refletida a sua bondade, senão medo cru. Eu pararia o mundo se pudesse, apenas para impedir que ela tivesse esse momento guardado na memória.

Fernando: Hei, Luiz! Acho que o seu problema é comigo! Digo em voz alta, chamando-lhe a atenção.

Ele olha pela janela e parece satisfeito me ver. Ignoro a agitação de Maiara, implorando que eu saia e meus olhos fixaram-se nele.

Luiz: A velha vai descer. — Não compreendo o motivo, mas logo tudo faz sentido quando as sirenes soam ao longe. Eles pretendem armar uma fuga.

A porta se abre, mas o veículo range. Eles não estão pensando direito, mas seguem com o plano, fazendo vó Stella descer, aliviando o peso do carro que pende entre a ponte e o abismo.

Stella: Fernando, meu querido... — sua voz se quebra quando tenta vir em minha direção, mas peço que pare. Luiz está atento em mim e eu preciso que continue.

Vejo-a a afastar-se juntamente com a polícia que demorou muito a chegar. Sorocaba recebe a minha avó e Luiz segue vidrado em mim, discutindo com Bernardo. Meu celular toca.

Luiz: Atenda! — Luiz exige.

Fernando: Sorocaba? — Respondo ao ver seu nome na tela.

Sorocaba: Querem um carro abastecido e o acesso a interestadual livre. Estão fora da mira, se tentarem atingi-los, o carro pode ceder.

Stella: Pelo amor de Deus, você tem que tirar a menina de lá, está ouvindo? — Minha avó praticamente ameaça o policial, sua voz ecoando ao telefone. Eles estão a uma boa distância de mim.

Policial: Capitão, teremos que chamar o negociador.

Stella: Eles querem fugir! Não vão se entregar lindamente e esperar que um juiz decida pelas suas cabeças! Isso seria humilhante demais para eles!

Policial: Senhora, temos um protocolo a seguir e...

Stella: Se o seu protocolo matar meu bisneto te garanto que ninguém mais seguirá ninguém!

Policial: Isso é desacato. — Ele a avisa.

Stella: Isso sou eu dizendo para você salvar aquela garota ali!

Sorocaba: Stella! — Sorocaba a chama, mas eu ignoro a todos, olhos fixos no carro, notando que os ânimos estão mais uma vez exaltados.

Fernando: Vou tentar falar com ele.

Sorocaba: Irmão, não faça isso. Agda...

Fernando: Não me importa o que ela tenha a dizer...

Agda: Luiz é o seu irmão!

Fernando: Que porra é essa... — meu cérebro não consegue raciocinar.

Agda:Ele sabe disso! Ele não vai negociar com você!

Luiz: Que foi? Descobriu que sua mamãe é uma puta? — Luiz ri e eu olho para Maiara, pois é meu único ponto de equilíbrio agora.

Filomena? Isso não faz o menor sentido...

Maiara: Ahhhhhh! — Ouço o grito dentro do veículo.

O carro está se movendo. É sutil, mas é um movimento perigoso para quem está dependurado em uma ponte. Eu me aproximo cada vez mais.

Fernando: Está movendo! — Eu grito para algum dos bombeiros que parece ter percebido e simplesmente se lança na zona de restrição montada pela polícia e segura o veículo.

A movimentação é geral, mas sequer ligo para ela, pois me junto ao bombeiro e ambos tentamos estabilizar aquela coisa com nossas próprias mãos.

Sinto meus músculos ardendo, começando a queimar pelo peso extremo, mas eu suportaria o dobro apenas para que ela não caísse. Ela não vai cair, literal ou figurativamente porque eu não vou deixar.

Sinto a pele dos meus dedos rasgando, sinto as mãos úmidas pelo sangue, eu apenas sinto... tudo. O peso do mundo nas mãos, o peso da minha vida inteira. Luiz Almeida é o meu irmão?

Minhas mãos reclamam por alívio e contra o egoísmo da minha autoagressão. Os sentidos não compreendem que eles são inúteis se a queda for definitiva? A queda que pode mudar minha vida inteira.

Ouço os gritos e a árdua movimentação, tanto fora, quanto no interior do veículo. Ouço tudo e apreendo tudo o que todos os meus sentidos me permitem. Os sons, para saber se ouço minha florista. O tato, garantindo que eu segurarei enquanto minha consciência estiver comigo. A visão, na esperança de que eu possa vê-la.

Porque eu preciso vê-la.

Mesmo que a situação seja uma máquina de feridas que eu não sei quando irão cicatrizar. Eu seguro, firme, forte e muito além das minhas forças. O urro que sai de mim e do bombeiro chega a ser animalesco, pois nosso corpo reclama das nossas exigências.

Mas, dessa vez, eu não vou deixá-la cair.

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Volteeeeeei ☺️

Um Contrato de NoivadoOnde histórias criam vida. Descubra agora