Capítulo 92

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• Fernando •

Minha avó tem ficado quieta, tricotando coisas para o bisneto que sonha conhecer e passo o dia tentando ajeitar a minha vida, apoiando-me. Às vezes acho que nos apoiamos mutuamente, pois sozinhos não conseguimos.

Já ingressei em juízo e, com o registro de direitos autorais e as provas testemunhais, a causa é praticamente ganha com relação ao projeto.

Stella: Uma coisa eu não entendo. Os Almeida foram estúpidos assim em achar que você não conseguiria provar a autoria? — Vó Stella questiona.

Fernando: No mercado isso não importa. A Zor já perdeu a confiabilidade dos investidores enquanto perdemos tempo com isso. Os Almeida ganharam alguns clientes, e mesmo que rescindam os novos contratos, as multas gordas que eles fixam resolvem boa parte do problema. E, para deixá-los ainda mais satisfeitos, Giordano deve ter efetuado algo do pagamento. Eles resolvem algumas questões financeiras a curto prazo.

Stella: Mas eles vão pagar por isso não vão?

Fernando: Sairão tão manchados quanto a Zor. Agda os iludiu bem, isso posso afirmar. — Encaro a tela do celular pela milésima vez no dia.

Stella: O que tanto você olha para essa coisa?

Fernando: Coloquei alguém atrás de Lucas Freire.

Stella: Oh, que maravilha!

Fernando: Desde quando apoia esse tipo de coisa?

Stella: Fernando, não quero te preocupar, mas já viu o médico? Não pode perder tempo , você é maravilhoso, mas ele também é.

Fernando: Se supõe que você deveria me incentivar, não?

Stella: Quer incentivo maior do que o temor? Desconheço!

Fernando: E aí?

Stella: Ele vai constantemente para Goiânia... os endereços...

Perco uma pequena batida quando encaro os anexos. Uma fotografia de Maiara no jardim de uma casa opulenta. Ela veste mais roupas do que gosta e ela me parece de mau humor.

Eu sorrio pela primeira vez desde... eu apenas sorrio. Sua mão pousa em sua barriga, como se fosse instinto de proteção. Olho as imagens seguintes e ela parece se sentir observada, pois sempre foi instintiva. Respondo o e-mail confirmando ao investigador que é ela e copio o endereço.

Stella: Querido?

Fernando: Eu a achei. — Digo em voz alta, materializando todo o mês infernal sem sequer vê-la. — Finalmente eu a encontrei. — Suspiro em alívio, enquanto jogo algumas roupas na segunda mala mais rápida da minha vida.

Stella: Está com a barriga grandinha. Olha, como mudou... deve estar saindo do primeiro trimestre. A fase... — Minha avó se cala.

Fernando: Mais difícil? — O silêncio de vó Stella é cortado pelo som do zíper da bagagem.

Stella: Ignora essa velha linguaruda.

Fernando: O "não" eu já tenho, certo? — Digo levantando-me para uma viagem para Goiânia e pensando que, na parte mais difícil, deixei-a só.

Stella: E terá uma coleção deles. Seja persistente.

Fernando: Eu sou. — Afirmo ciente de que a coisa mais difícil da minha vida será convencer Maiara de que ela é minha.

Stella: Meu querido, somos nós dois contra um bando de raposas loucas. Vamos sobreviver a mais essa. Agora vá.

***

Estou saindo pela garagem e vejo Bernardo me aguardando, quase em uma emboscada. Deve ter descoberto que foi traído pelas suas aliadas.

Fernando: O que faz aqui?

Bernardo: Sua avó resolveu deixar a mansão, sem sequer cogitar o que os outros...

Fernando: Fodam-se os outros. Já fizemos coisas pela nossa imagem por muito tempo. Você não vai falar com ela, não irá vê-la e não tem qualquer autorização para isso. Esse não é o seu império.

Bernardo: Moleque! Eu te coloquei no topo, não se atreva...

Fernando: No topo? — Eu rio. — Você criou uma fantasia tão irreal que a sua própria aliada acreditou em você. Esqueceu de contar para ela que você apenas usa as mulheres Zorzanello em seu benefício e depois as descarta? Como fez com minha avó, com minha mãe e queria fazer com Andressa? Seu topo é deveras interessante de se assistir enquanto se faz ruínas.

Bernardo: Usei? Eu tripliquei a fortuna da sua avó!

Fernando: Exato. Fortuna dela. Não sua. E me deixa entender, você veio porque provavelmente precisa da assinatura dela para movimentar algo, não é? Não irá fazer isso, Bernardo. Não irá tocar ainda mais no que é dela. Use seu próprio dinheiro até a partilha. — Ele arregala os olhos. — O que? Não achou que ela voltaria para aquele lugar debaixo do seu jugo, não é? Se ela ficou por tanto tempo foi por Agda e eu. O compromisso dela acabou.

Bernardo: Você abandonou a empresa! Fala sobre responsabilidades, mas não cumpre a sua!

Fernando: A empresa está muito bem assessorada após meu afastamento pelo Conselho. Já salvei o que pude e agora cabe à justiça e aos advogados.

Bernardo: Demos a vida para que ela fosse imbatível e você simplesmente abandona?

Fernando: A empresa pode ir à ruína que o abandono ainda seria menor do que todos os outros que eu já cometi. Bernardo, vá para a empresa, sente na sua cadeira e se agarre ao navio que você afundou. Faça isso, antes que eu prove que foi o idealizador da fraude. Não pretendo fazer visitas na prisão, então... tenha uma boa vida.

Bernardo: Fala como se eu tivesse roubado o projeto!

Fernando: Você orquestrou, Agda aprimorou e alguém executou. Se não tivesse iniciado a avalanche, não teria sido soterrado por ela. Agora, suporte todo o ônus que ela tornou inevitável.

Bernardo: Se for atrás daquela...

Fernando: Se mencionar Maiara de novo eu mesmo enterro a Zor e lanço você sobre os escombros!

Saio sem deixá-lo responder e entro no carro rumo ao aeroporto.

Esse homem teve tudo diante de si: família, a empresa e uma mulher incrível como vó Stella, mas sua cegueira acerca de suas pretensões profissionais o fez lançar tudo por terra. Antes, eu me achava como ele, justamente por priorizar as coisas equivocadas, mas hoje sei que minha revolta com Maiara foi pelos motivos opostos aos de Bernardo. Eu me senti usado, enquanto meu avô usava.

Saber que somos diferentes me traz alívio, como se eu finalmente começasse a cortar os laços que nos pareavam.

Embarco com a certeza de que ao menos pedirei perdão a Maiara, disposto a ser o que ela precisar.

E quiser.

Pego o celular para colocá-lo em modo avião, quando noto uma mensagem de Sorocaba, que eu não havia percebido.

"O laudo saiu e a autoria do projeto foi confirmada. A Almeida  está passando por um escândalo e Giordano está a sua procura."

"Estou indo para Goiânia falar com Maiara. Eu a encontrei! Foda-se Almeida, Giordano, e obrigado irmão, por resolver mais essa."

"Goiânia???? Preciso de você aqui hoje!"

"Essa confusão espera". Respondo-lhe.

"Luiz desapareceu após o vazamento do laudo. Está na cola dela".

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