Capítulo 97

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• Maiara •

Aquela conexão inexplicável simplesmente me atordoou, pois não consigo sentir aquela raiva que há dias parecia me sufocar. Não consigo odiá-lo ou deixar de sentir essa coisa imaterial que parece nos amarrar em um nó invisível, como se não fôssemos livres o bastante para decidir.

Apoiar qualquer decisão que eu tome? O que isso significa? Se eu pedir que vá embora, ele irá. Sem luta, apenas aquiescendo que soltou a minha mão e me empurrou, ficando cada vez mais distante.

Não vi distância em seu toque. Não vi em seus olhos a vontade de ir embora, apesar de dizer que eu posso me afastar, deixando para trás absolutamente toda a vida que eu sei viveríamos. Eu não queria ouvir o seu pedido de perdão, porque se ele me solta e deixa que eu seja livre, não saberia voltar para ele.

Não saberia me arriscar e sair dessa proteção que eu construí. Tão difícil assim para eu sair da minha concha? Tão difícil assim para ele entrar? Ele me conhece.

Agora, sem as escamas que o cegavam e com tudo mais claro, ele sabe o meu conflito e ainda assim deixa que eu decida. Eu não sei decidir isso. É só dizer "te perdoo" e seguir juntos, não é? Deveria ser, mas a ferida exposta apenas começa seu processo de cura.

Amor. A palavra escapou incompleta dos meus lábios pela saudade imensa que contrasta e briga com a dor. Mas o que eu disse para Fernando é absolutamente verdade. Ele precisa ser completo sozinho, para compreender quando a cegueira vem e quando dosar seu lado passional. Eu preciso ser completa sozinha para não ser lançada tantas vezes de uma altura que sempre me faz acreditar que não consigo me erguer.

Do que adianta ter o domínio de bens e riquezas, poder incontroverso e inegável, quando o volante da própria vida escapa de suas mãos?

Do que adianta eu ter o domínio da minha serenidade e compaixão, se elas sozinhas não me conduzem sem força?

Tal como um canto de sereia, ele sabe que eu atenderei o seu chamado. Mas não quero fazê-lo sem forças. E por isso não quero que ele me chame. Não agora.

Áurea: Desculpem. — Tia Áurea parece indecisa em agir quando percebe nosso estado emocional. Ler emoções é a coisa mais simples do mundo para essa mulher. — Eu vim saber se queria mais chá.

Maiara: Ainda não bebi. Não bebemos! — Afirmo encarando as xícaras na mesa de centro, tentando me lembrar em que momento Fernando a tirou das minhas mãos. Bem, certamente ele tirou, pois eu não me movo com medo de me jogar sobre ele.

Áurea: Então, anda! Sabe que faz bem! Por que ele vai beber? — Ela questiona, sobrancelha erguida enquanto Fernando descaradamente implora que ela arranque aquela poça de maldade de suas mãos.

Maiara: Bem, se concordamos que é o pai e eu sou obrigada a beber essa coisa, você também.

Fernando: Recomendação da sua tia? Você acha que faz bem para o bebê eu tomar isso? — Ri do absurdo, agora recomposto da situação que recém vivemos.

Maiara: Oh, não, só não acho justo sofrer sozinha.

A coisa é simplesmente horrorosa. Se eu já tivesse provado musgo alguma vez, sei que teria esse gosto. Ouço-o correr atrás de mim, enquanto a Tia Áurea diz que é frescura. Eu não consigo sequer fechar a porta, pois a raposinha protesta revoltosamente contra a tentativa de envenenamento que a tia-avó acaba de fazer.

Eu queria muito que Fernando não participasse desse momento desonroso da maternidade, mas quando percebo ele está levantando meus cabelos enquanto minha alma certamente desce pela descarga.

Um Contrato de NoivadoOnde histórias criam vida. Descubra agora