Capítulo 30

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• Fernando •

O dia foi agitado, mas seguiu com fluidez, todo o cronograma da viagem foi respeitado e consegui uma reunião com William Chaves, uma das chaves que eu preciso para que Giordano tenha certeza de que o meu projeto para a GP é infalível.

Bem, eu achei que tudo estava bem até Maiara se retirar abruptamente do jantar. O clima ficou estranho e Giordano e Angela perceberam que havia algo errado.

Assim que Maiara sai, peço licença e vou ao seu encalço, repassando o dia em minha mente e tentando entender o que aconteceu ali. A realidade é que eu só me recordo das minhas conversas com Willian e José. Nada mais, como se todo resto estivesse invisível. 

Passo pela recepção e, após o segurança indicar por onde ela foi, ouço meu nome chamado em falsa animação.

Felipe: Fernando Zorzanello, que surpresa!

Fernando: Felipe Almeida, não digo o mesmo. — Sou direto. — Imitando a lista de fornecedores da Zor Enterprises?

Felipe: Inspirando. Um CEO da sua capacidade inspira. — Diz, como se não imitasse absolutamente todo nosso empreendedorismo. Apenas consegue se manter no mercado pelo menor custo que oferece. Menor custo que atrai menor qualidade.

Fernando: Certo. Preciso ir. — Afirmo, apenas me afastando sem qualquer formalidade. Nós nunca fomos realmente amistosos, senão diante de clientes.

Felipe: Parabéns pelo noivado. — Algo em sua voz me chama a atenção e então me viro em sua direção. — Espero conhecê-la em breve. É provável que tenhamos oportunidade.

Fernando: Não vejo como.

Felipe: Não está sabendo? Giordano convidou a todos para uma aproximação.

Fernando: Que aproximação? — Pergunto de forma tola, de tão incrédulo.

Felipe: Maldivas! Pelo visto ele deseja confrontar seus melhores proponentes e avaliar qual a melhor montadora para a GP do próximo ano. Digamos que ele deseja ser... impressionado.

Fernando: Sinto dizer que tentará sozinho.

Felipe: Fernando Zorzanello não precisa de ninguém, não é? Espero que sua noiva saiba dessa sua autossuficiência. — Ironiza. — Querendo ou não estaremos juntos. Será um imenso prazer rever Maiara.

Ele se vira com um aceno e eu permaneço ali parado, sem compreender se ouvi direito. Rever? Encontro-me irritado, a florista desaparecida, o jantar interrompido, Almeida é tratado como cavalos de corrida e, aposto, que com a aprovação do meu avô para me fazer pressão.

Rodo pelos arredores, considerando que ela está a pé, e encontro-a próximo à Capella. Segui pelas áreas de maior movimento, vendo-a olhar ao seu redor como se procurasse alguém.

Completamente congelada após eu pedir "por favor", ela entra no carro e voltamos para o hotel. Silêncio. Em completo e inédito silêncio, que sequer parece proposital de tão imersa em seus pensamentos. Ela volta para o quarto e sinto, pela primeira vez no dia, que passei o dia sem percebê-la. Não que eu precisasse fazê-lo, mas a questão é o que isso diz sobre mim.

Agi exatamente como ele fazia. Uma raposa não sai diferente aos seus, não é? Sempre me impedi de ser como ele, copiando apenas o que eu mais apreciava, mas o golpe de perceber que sou muito mais Bernardo Zorzanello do que eu gostaria, me atinge. A maçã podre não cai muito longe da árvore.

***

Tenho a noite parcialmente insone e, assim que eu sei que é razoável ligar para São Paulo, completamente irritado, chamo Bernardo.

Bernardo: Fernando, algum problema?

Fernando: Realmente, só ligo quando estou com problemas. — Deixo a acidez comandar. — Quando pretendia dizer que Giordano estava juntando Almeirda e os Zorzanello na viagem para as Maldivas?

Bernardo: Já que ambos desprezaram Andressa, ele quer garantir uma decisão imparcial pautada apenas nas propostas de vocês e no quanto de fato demonstram serem homens honrados. Sabe o lema dele e não é agora que vamos mudar. "Um homem que bem comanda sua vida..."

Fernando: "...sabe comandar os seus negócios".

Bernardo: Ele terá a certeza sobre a melhor escolha se tiver ambos diante de si. Já tivemos essa conversa antes, Fernando. E você surgiu horas depois com uma noiva florista. Agora garanta que ela seja boa o bastante para que consiga aparentar que vocês são um bom casal. Pois a noiva de Felipe é socialite, sabe se portar e conhece os Giordano.

Fernando: Você nunca vai desistir, eu sei. Adivinha, Bernardo, eu também não. Não se atreva a intervir novamente.

***

A volta para o Brasil é solitária, pois estou indo para o Rio de Janeiro e ela para São Paulo. Volto a tempo do lançamento da coleção somente e ainda me incomoda a forma com que lidei com tudo na noite anterior.

Nossa despedida no aeroporto foi breve e, no mesmo silêncio de antes, ela se foi. Raposas silenciam suas presas, mas não consigo me congratular por isso quando as memórias do passado me acusam e riem-se de mim.

Tenho infinitas reuniões acerca do projeto GP, as coisas da nova coleção esportiva da Zor já estão alinhadas e sei que Sorocaba está se mantendo a par de tudo com a minha ausência em todos esses dias. Em meio a correria, recebo uma mensagem dele, que me faz rir.

"Cara, precisa voltar, pelo amor de Deus. Maiara apareceu aqui às quatro da manhã. Achei que o mundo estava acabando, mas era apenas uma emergência de fofoca entre amigas. Aliás, o que fez com a mulher para ela aparecer aqui a essa hora?"

Maiara com toda a certeza foi desabafar com Biah e bem imagino as duas falando alto em plena madrugada, se sentindo bem à vontade no apartamento de Sorocaba.

"Eu voltar não impedirá que elas fofoquem."

Encaro a tela e espero ele responder, mas ele logo manda um áudio bem longo, com a voz estampando o desespero de não aguentar lidar com as duas em uma madrugada.

"Fernando, elas falam alto. Você não está entendendo é alto e é muito. Aliás, seu nome foi bastante citado. Acredita que elas decidiram fazer doce naquela hora? Quem come doce de madrugada? Então, volte! Você aqui, impede que minha casa seja invadida por faladeiras. Você aqui, deixa Maiara confortável em sua própria casa e, com toda a certeza, me deixa dormir sem imaginar que acordarei de manhã com Áurea e Stella acampadas na minha sala. Como elas aglomeram!"

"Estou voltando. Cuide delas e sobreviva, irmão".

Apoio na cabeceira e encaro a fotografia de Maiara no aplicativo de mensagens. Nossa última conversa foi há dias, quando ela questionou por que eu faria algo por ela, senão pelo contrato.

A resposta certa seria assumir que isso foi uma falácia e, sim, eu fazia pelo contrato. Mas, sempre me orgulhei em ser diferente dele e, se a livraria de Tadeu, parte de mim sabe que é pela sua segurança. Contudo, a culpa pelo que aconteceu no bar ainda me acomete. E, se é apenas por culpa que eu o faço?

Desde que soube que Tadeu está à espreita, minha mente rememora a cena do bar com voracidade, a ponto de me ver ignorando-a para manter as minhas prioridades que não são floristas endividadas, senão o meu negócio. Mas vê-la levantar-se audaz daquela mesa, diferente do que um dia minha avó e mãe fizeram, mostrou-me que a Itália foi um espelho posto diante de mim e não gostei do que vi e muito menos do que refleti nos olhos dela.

Desde o aeroporto, Maiara é silêncio e dele, compartilho.

O motivo? Essa é a zona cinzenta que eu não sou capaz de desbravar.

Não agora.

Não hoje.

Um Contrato de NoivadoOnde histórias criam vida. Descubra agora