Capítulo 6

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• Maiara •

Ninguém nunca acreditará nisso, mas aparentemente apenas eu vejo o óbvio. Sim, pois, ao oferecer tamanha quantia, esse homem já perdeu todo resquício de sanidade e eu provavelmente vou ter que ligar para a emergência.

Maiara: Você só pode ser louco!

Fernando: Não sou louco, senhorita Maiara. Apenas tenho necessidades específicas para um bem maior e eu ficaria muito feliz em pagar a quantia que for para alcançar os meus objetivos.

Maiara: Não se compra uma noiva. Isso é errado de tantas formas...

Fernando: Senhorita, não estamos discutindo a moral e os bons costumes aqui. São negócios e, no mundo dos negócios, às vezes precisamos ter uma abordagem mais criativa.

Maiara: Enganar os outros. Sua abordagem criativa significa enganar os outros. A mídia, seus clientes, nossas famílias e sabe Deus mais quem. Enganar não é uma abordagem de negócios.

Fernando: Minha avó tinha que arrumar alguém difícil. — Resmunga. — Tudo bem, enganarei, sim, mas isso para que não haja um casamento de verdade e infeliz.

Maiara: É sério esse papo de ser obrigado a casar? — Questiono incrédula.

Fernando: Não é obrigado. Digamos que a família do senhor Giordano confunde comprometimento nos negócios com estrutura familiar e vê certa vantagem em juntar fortunas.

Maiara: Dinheiro. Você quer me dar dinheiro, para conseguir um negócio por mais dinheiro, sem precisar...

Fernando: Ter envolvimento pessoal nisso. Exato. Negócios são negócios e ninguém deveria misturar assim. Se eles decidiram fazer, estou usando uma abordagem significativa para evitar misturar as coisas.

Maiara: A garota. A noiva...? — início, pensando se não serei o motivo da infelicidade de alguém que realmente o ama. Já passei por isso e jamais faria o mesmo, ainda que de mentira.

Fernando: Nos vimos umas dez vezes na vida, nossas famílias se conhecem e nunca tivemos nada. Eu a chamo de senhorita até hoje e não tenho ideia se ela sente algo por mim, mas isso não é importante, já que jamais dei abertura. O casamento é idiotice.

Maiara: Uau. Alguma ex-esposa já o traiu?

Fernando: Para isso eu teria que ter sido casado e não costumo cometer erros semelhantes. E isso sequer está em discussão. Tem algum namorado ou...

Maiara: Solteira. Mas a questão não é essa, senhor Zorzanello.

Fernando: Mais dinheiro?

Com esse dinheiro, eu poderia pagar os exames e os eventuais tratamentos de Tia Áurea, quitar a dívida que Luiz me deixou e talvez salvar a floricultura! Mas não. Isso é absurdo e errado. Muito errado. Minha tia ficaria decepcionada se soubesse que vendi algo que ela considera sagrado.

Maiara: Eu preciso pensar.

Fernando: Não temos tempo.

Maiara: Eu acabei de conhecer você. — Olho-o diretamente nas duas esferas azuladas e centradas em mim. Fernando tinha que ser assim, isso tudo? O homem parece modelo de capa de revista e não desvia sequer um segundo de mim. Tão atento quanto eu mesma estou.

Fernando: Justo. Não é obrigada a me conhecer, pois teremos um contrato. Eu também não preciso conhecê-la. Sejamos objetivos.

Maiara: É uma questão muito delicada. Desculpe-me, mas não consigo confiar em uma pessoa que finge um relacionamento para conseguir um negócio. — Julgo-o e mordo a língua imediatamente.

Fernando: Não sou muito adepto às regras do certo ou errado. A moral não tem uma régua pronta e acabada que devemos seguir. Não sou adepto a relacionamentos, então isso significa que devo me dar mal nos negócios?

Maiara: Desculpe. É que é muita coisa para assimilar. Tem razão, seu estado civil não te torna um mal profissional, mas enganar tanta gente...

Fernando: Faço o que tenho que fazer, senhorita Maiara.

Maiara: Olha, eu vou continuar achando errado. Para mim, enganar uma pessoa é a pior direção que se pode tomar, porém entendo que as circunstâncias nublam o certo e o errado às vezes.

Fernando: Entendo sua moral, mas tenha em mente que é apenas um negócio. Um serviço que vou contratar por tempo determinado. Chame assim, se sentir melhor. Não é um noivado, apesar do nome.

Maiara: Eu preciso pensar.

Fernando: Pelo menos não está recusando.

Maiara: Pela sua avó. Se não te dou um enorme não aqui e agora é por toda a consideração que sinto por dona Stella.

Fernando: Tudo bem. Você tem um dia.

Aceno com a cabeça e me levanto.

Maiara: Não a regue muito.

Fernando: Quem?

Maiara: A planta. Não coloque muita água. — Digo, fechando a porta e me apoiando nela como se fosse cair.

Quando eu acho que a situação da minha vida não pode ficar mais doida, ela gargalha na minha cara avisando que eu não tenho controle de absolutamente nada.

Se eu disse que ia pensar, foi por mero carinho a senhora Stella. É nítido que não teve má intenção. É só uma avó ajudando um neto.

Um pouco exagerada? Sim, contudo, só alguém com ideias mirabolantes.

***

Ao chegar em casa, apenas tenho tempo de colocar a bolsa pendurada na cadeira, que acompanha a pequena mesa, quando meu celular toca.

Tia Áurea, como se evocada no meio desse caos.

Maiara: Oi, tia.

Áurea: Minha filha, você pode adiantar o jantar?

Maiara: Ainda no médico?

Áurea: Ele chegou atrasado demais e eu tive uma crise, mas fique tranquila, já estou bem.

Maiara: Tia, o que não está me contando?

Áurea: Vamos dar um jeito. Vim para a emergência. Eu sei que é mais uma conta dentre as várias que temos, porém nem foi tão grande assim.

Maiara: Quanto?

Áurea: Dois mil.

Sinto os meus olhos encherem de água, pois como sempre me sinto falha. Essa mulher cuidou de mim desde os meus catorze anos e, nos últimos treze, foi uma mãe para mim. Foi todo o amor que eu conheci e a quem eu devo tudo.

Quando suas dores no abdômen começaram, dizia que precisava ter saúde ao menos até que eu me casasse. Romântica incurável, ela amava narrar como meus pais foram felizes até aquele acidente.

Essa mulher que sonha, e vive por mim, não pode ser decepcionada.

Eu fico em silêncio, depois que ela desliga. Conta da farmácia, aluguel, hospital, consultas, floricultura e empréstimo. Meu turno no bar é terrível e, enquanto estou nele, minha tia passa mal e não me avisa. Só mais um dos diversos problemas.

É muita coisa.

É tudo demais e sinto que não vou suportar.

Um Contrato de NoivadoOnde histórias criam vida. Descubra agora