Capítulo 48

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• Fernando •

São Paulo parece diferente desde que partimos. Tanta coisa aconteceu que parece ter sido outra pessoa que vivia aqui. Aquele Fernando correria para a empresa e se atualizaria de tudo o que perdeu enquanto passava dias nas Maldivas negociando.

De início, percebi como ela acreditava ser apenas mais uma que eu lembraria em uma enorme lista. Uma relação casual que passaria como todas as outras e, sei, que esse foi o empurrão que ela queria para aceitar a minha proposta.

Eu precisava, mais do que ela, que acreditasse que desde que a assumi para mim mesmo, a florista foi tudo exceto passageira e que jamais a deixaria por alguém que me trouxesse mais benefícios. Depois que vi como Luiz a deixou em frangalhos, me dedico a provar para Maiara que minha única intenção será sempre ela.

Que eu sou trilha oposta àquele homem e que o caminho ao meu lado é firme. Seguro.

Essa é a palavra que guia cada ação minha com relação a ela. A segurança de que estará a salvo e digo a verdade quando me incluo nisso. Maiara, nas escassas cores da minha vida, é o tom mais inocente e mais apaixonado. Esse homem que não reconheço no espelho ri de satisfação ao perceber que caiu nas armadilhas da avó. Stella sempre sonhou com um destino diferente para mim, contrário a tudo o que minha família fez.

A linda foi para casa, pois Áurea morria de saudades e agora o apartamento com detalhes coloridos me encara com o seu vazio. Olho para aquelas paredes me recordando da manhã antes dela, quando três mulheres que não me recordo o nome saíam daqui demonstrando toda a minha perversão.

Aquelas não foram as primeiras, mas as últimas. Aquele dia se tornou o último do tempo que começou quando eu destruí aqueles girassóis. Caminho até a varanda e, sentado na rede, encaro as papoulas que harmonizam ao lado das lavandas. "Elas precisam de luz, assim você pode ver essa cor bonita". As palavras da florista retumbam e me vejo saindo quase no automático pelas ruas de São Paulo, inquieto.

Uma agonia queima meu peito e dirijo sem rumo, assistindo as primeiras notas solares alcançando minha pele pelo vidro do carro. As horas passam e a aflição não me abandona, pelo contrário, aumenta.

Quando percebo estou de volta ao apartamento, com as papoulas em mãos, entendendo o sentimento inoportuno. Eu destruí aqueles girassóis. Lembro-me da minha avó tentando me contar serenamente, mesmo que seus olhos estivessem destruídos, mas Bernardo apenas lançou "está morto".

O local fúnebre na verdade é um imenso campo verde que tenta trazer alguma paz. Que paz há para quem ficou no inferno terreno? Aproximo-me reticente e encaro a lápide lendo seu nome. Não me recordo a última vez em que o ouvi e, por segundos, parece que esqueci a pronúncia.

Fernando: Eu destruí aqueles girassóis. — São as primeiras palavras que saem da minha boca com uma dificuldade imensa. É a primeira vez que piso aqui e sinto-me estranho, como se apenas agora eu o enterrasse e me despedisse. — Vovó tentou manter o jardim da mansão, mas sem nós dois para ajudar, tudo morreu. Ficou cinza. As coisas ficam dessa cor, sem luz e eu matei justamente o girassol. Lembra, quando o plantamos? Stella me fez acreditar que eu plantei e era o responsável pelo milagre de vê-lo germinar, quando ela fazia todo o trabalho e nós apenas atrapalhávamos. E ainda assim ela sempre nos chamava. Uma vez no mês o mundo era de nós três e eu sei que me lembrava apenas desses dias. Não, mais. Eu os esqueci quando matei os malditos girassóis.

Minha voz embarga e eu encaro a relva verde abaixo da qual ele repousa.

Fernando: Ela nos dava parabéns sempre que ele crescia um pouco e me fazia esquecer de todas as outras que eu matei-as afogadas. — Suspiro. — Eu destruí até minha mão ficar amarela, pétala por pétala. Lembra como eles estavam grandes? Eu venci a nossa aposta e você se foi antes de pagá-la. Um dia na Isla. Eu matei os girassóis, me desculpe. Eu os destruí porque odiei não te mostrar as flores que nós plantamos. Apaguei você da minha memória e o jardim morreu pouco a pouco. Eu não o vi perder as cores, e quando olhei ele já estava cinza.

Lembro-me de Stella se recusando a ter um jardineiro e querendo tornar tudo normal por si mesma. Até que desistiu.

Fernando: Desculpe, pai, mas eu não pude ser tão resistente. Mas, eu juro que não me tornei ele ou destruí a vida de ninguém no trajeto. Eu apenas mantinha as pessoas longe e as memórias inconscientes. E agora tem ela. Uma raposa selvagem não deveria chegar tão perto. Eu sei o que eu quero, mas não quero que ela perca as suas cores como aconteceu naquele jardim ou com as flores quando eu as despedacei. Acho que Stella foi esperta quando trouxe para nós quem sabe cultivá-los e não quem os destrói, mas ficar perto pode destruir quem ela é. Deixá-la irreconhecível como mamãe ou esquecível como você. Miserável como eu.

Meu coração bate acelerado no peito, mas tomo fôlego para extrair de mim o que sufoca.

Fernando: Eu apenas existo há bons longos anos, sabia? O trabalho preencheu todos os vazios e eu me erguia toda vez que ela massacrava. Fazia-me forte como você e jamais baixava a cabeça. Queria ter sido mais forte quando você se foi e não ter destruído os malditos girassóis, mas hoje eu te trouxe papoulas e as deixarei aqui, pois tem muita luz. É assim que elas mantêm a cor, senão ficam como eu nas sombras. Sabe, pai, ela chegou parecendo um raio brilhante, com flores e uma bicicleta feia, mas chegou. Os raios penetrando as minhas camadas cinzentas. O escuro não pode contra a luz. — Rio — Eu tentei afastá-la, temendo por ela mesma. Tratei-a como ele faria, se lembra? Claro que lembra, você também o imitava. Mas, a única coisa que eu consegui foi escancarar a porta para que a luz entrasse. É por isso que eu te trouxe papoulas. — Digo incoerente em meio a minha divagação. — Eu esqueci de você, mas agora tenho iluminado lembranças, ao invés de entorpecê-las. Nós dois precisamos de luz para que vejam as nossas cores ocultas na sombra. A minha é Maiara. — Passo as mãos na pedra e deposito o vaso. — Desculpe se eu te esqueci, mas pretendo não destruir mais nada. Lamento que não pudemos ir à ilha. Sinto sua falta.

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