Suzana
O consultório estava cheio, é claro. Mas como cheguei bem encima do horário não precisei esperar muito.
A doutora Rosana sorriu para mim assim que adentrei na sala, e me sentei em meu lugar de costume. Era nossa segunda sessão, e embora a primeira tenha sido boa, era estanho, me perguntava quando deixaria de ser.
- Olá Suzana, boa tarde. – Ela disse depois que me acomodei – como foi sua semana?
Respirei fundo antes de retribuir o sorriso.
- Meio maluca. Os remédios me fizeram perder um dia de aula, mas o psiquiatra já deminuiu a dosagem. – Comecei a explicar – eu comecei a fazer um novo hobby, como você orientou.
- É mesmo? Qual?
- Jardinagem. A vovó tem uma estufa, eu ajudo a cuidar. Já sei até colher flores... – Dei um meio sorriso bobo, abaixando meu olhar para meu colo, onde minhas irmãos estavam em punhos.
Já começava a machucar e eu nem tinha notado.
- Isso é ótimo! – A doutora me voltou a sorrir – Mais alguma coisa?
Assenti.
- Fui a uma reunião. Um culto na casa de uma garota da minha escola, eu não queria, mas acabei gostando no final das contas. Acho que vou começar a participar.
- Muito bom que você tenha feito mesmo sem vontade. – Ela murmurou me fitando – às vezes você não vai sentir o desejo de interagir, mas é importante que o faça mesmo assim, vai ser difícil no começo, mas vai ficando mais fácil com o tempo.
Voltei assentir desviando o olhar do dela e fitando a grande janela de vidro. A vista do andar em que estávamos era de prédios grandes, mas havia também o céu e estava tão azul com um sol escaldante, em Londres nunca era assim.
- Você acha que um dia eu vou conseguir gostar de mim? – Às palavras saltaram da minha mente de uma vez. E me arrependi profundamente logo em seguida. Não era algo que queria compartilhar, não agora, mas meio que havia saído. – É que eu nunca fui boa nisso de me amar. – Continuei timidamente, me sentindo extremamente idiota.
Na realidade esse pensamento estava em minha mente a um tempo: de todas as coisas e pessoas que amei, porque eu nunca consegui ser uma delas.
- Então que tal começarmos a trabalhar isso hoje? – Ela me soltou um pequeno olhar acolhedor.
Não havia pena, só acolhimento.
- Vamos fazer um atividade aqui, e eu quero que você repita ela em casa todas as vezes que sentir que está sendo cruel com você mesmo.
Bom, então eu iria repetir ela muitas vezes.
- Feche os olhos por favor e relaxe.
Eu obedeci, e tentei relaxar o máximo possível que a situação permitia.
- Agora imagine que você está em um gramado, um grande gramado verde. E que um pouco distante tem uma árvore com uma sombra muito boa. Imagine você quando criança sentada embaixo dessa árvore.
A cena começou a se formar em minha mente. E então, como em um sonho, eu estava nesse gramado, mas não era um qualquer. Eu reconheci na hora em que vi. Estava no gramado da mansão de Londres. E meu eu mais novo sentado embaixo de uma árvore brincava sozinha. Eu a absorveu por um tempo me perguntando se deveria ir até ela. Parecia tão concentrada em seus brinquedos.
- Quantos anos você tem? – ouvi a voz da doutora Rosana.
- Acho que sente. – Respondi ainda com a atenção na garotinha de cabelo encaracolado.
Eu costumava usar o cabelo natural quando criança, até que um dia Edward me mandou dar um jeito “nisso” desde então não tinha tido mais coragem. Eu acho até que ouve um momento, um momento que eu realmente gostei dele assim.
- Você quer se aproximar?
Assenti é depois respondi que sim.
Então comecei a caminha até ela. A garotinha loira, dos olhos pretos me encarou por alguns segundos até sorrir.
- Oi Suzana.
Eu retribui o sorriso antes de responder.
- Oi Suzana. O que você está fazendo aí? – Perguntei me sentando ao seu lado.
- Construindo uma casa para nossas bonecas. – Ela respirou fundo, e parecia alguém muito preocupada para alguém tão nova. – Mas acho que papai estava certo, não sou boa nisso. Não sou boa em nada.
Eu olhei para ela horrorizada e me lembrei que a primeira vez em que ele tinha dito que eu não era boa em nada, eu devia mesmo ter essa idade.
Aquele monstro.
- Isso não é verdade. – Afirmei tentando esconder as lágrimas – você e boa em muitas coisas, não deve acreditar nas mentiras dele.
- Ele mente pra você também?
Assenti.
- Muito.
- Você acredita?
O questionamento me pegou de surpresa, mas então eu comecei a entender o sentido de tudo aquilo.
Eu voltei a assentir com os olhos fitos no chão. Passou-se um minuto inteiro antes que eu tivesse energia o suficiente para sussurrar sem levantar a cabeça.
- Sim. – Admiti – Mas não deveria. Eu não deveria ter deixado ele fazer isso conosco. Eu sinto muito Suzana, sinto muito por deixar eles no machucar.
Eu me devia um pedido de desculpas pelas vezes que eu vacilei comigo mesmo e aceitei me humilhar para estar onde eu não era aceita.
- Tudo bem. – Sua voz doce soou. Ao contrário de mim, ela não estava chorando. – Você fez o seu melhor.
- Você acha? – questionei tentando sorrir débil mente.
- Hum rum. - Ela levou de uma vez, e um grande sorriso invadiu seu rosto – meus irmãos chegaram! Eu já vou. – Ela disse e saiu correndo em direção a entrada principal, onde a versão de Asafe é Davi crianças saiam de um carro.
Isso me fez lembrar que por um tempo, minha alegria era ter meus irmãos por perto.
Suzana, eu prometo que vou te amar um dia. Que vou sentir orgulho de você. Eu só preciso me lembrar, lembrar de como eu era antes de acreditar que não éramos boas o suficiente, como era me encontrar, me amar. Fui eu que deixei o Edward tirar nosso brilho nos olhos com todo esse medo e insegurança, e eu prometo que vou trazer de volta. Eu prometo.
Suzana
Que capítulo meus amigos, que capítulo. Um dos meus preferidos.
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O AMOR ME CUROU
RomanceSuzana Moreal Levins, morava na Inglaterra desde os sete anos de idade, a Londres fria e chuvosa era o único lar de que se lembrava, e era também o ultimo lugar em que queria está. Um trágico acidente havia contribuído para isso, ela estava totalme...