7. Tempo

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Escuto alguém abrir a porta e logo ouço.

— Noah? — Me levanto rápido indo em direção a minha irmã, a pego em meus braços e saio com ela do quarto do meu pai.

— Porque saiu do quarto princesa? — Pergunto e antes que ela responda somos interrompidos pelo doutor Tavarez, que ao me ver com ela apenas diz que as pessoas que estávamos esperando chegaram e que eles cuidarão de tudo.

O agradeço e sigo para meu quarto, assim que entro me sento em minha cama com minha irmã em meu colo, ela me olha atenta e um pouco assustada, vejo seus olhos castanhos cheios de lágrimas, e preciso fazer um esforço enorme para não me entregar, minha vontade é apenas abraça-la e chorar, mas não posso assustá-la mais do que ela já está, então respiro fundo.

— Ma, você já está virando uma mocinha, e eu sei que é muito inteligente. Sabe princesa, a partir de hoje, eu cuidarei de você, papai foi chamado para ficar lá no céu com a mamãe, eles precisavam de duas estrelinhas muito brilhantes, e o único que poderia brilhar ao lado da mamãe e tão forte quanto ela era o papai, por isso ele teve que ir... — Suspiro tentando não chorar enquanto falo, mas quando minha irmã coloca suas pequenas mãozinhas em meu rosto, minhas lágrimas voltam a rolar incontrolavelmente, porém mesmo em meio às lágrimas eu prossigo. — Nós iremos ficar tristes por um bom tempo, pois estamos acostumados a ver e ouvir o papai todos os dias, e agora isso não será mais possível. Assim como fazemos com a mamãe quando estamos com muita saudade, faremos com o papai, sempre que nosso coração estiver apertadinho de tanta saudade, nós vamos olhar para o céu, e procurar as duas estrelinhas que estarão lado a lado brilhando mais forte que todas as outras, essas estrelinhas são nossos pais...

— E nós não podemos virar estrelinhas e ir ficar com eles? — Ela pergunta já deixando uma lágrima escorrer.

— Não princesa, porque nós ainda temos que brilhar aqui na terra, na hora certa Papai do céu vai nos levar para brilhar lá com eles, tudo bem?

Ela concorda e me abraça encostando a cabeça em meu peito, fico acariciando seus cabelos enquanto choramos por um tempo, sei que do jeito dela, Maitê entendeu o que está acontecendo. Ficamos assim até que doutor Tavarez entra e diz que eles já foram, e que provavelmente só poderemos ir para a capela no início da manhã.

Agradeço mentalmente por ele escolher bem as palavras, ele se despede e diz que assim que estiver tudo pronto vem nos buscar, desço para acompanhá-lo até a porta com minha irmã em meu colo.  Tranco a casa e sem observar muito as coisas à minha volta eu retorno para o meu quarto, permaneço com ela em meus braços até que ela adormece. Então me permito chorar, e faço isso praticamente o restante da noite.

Por volta das seis da manhã, doutor Tavarez me liga dizendo que já podemos ir para o velório, pois o corpo já está chegando na capela. Rapidamente levanto, tomo um banho, faço um café, acordo e arrumo minha irmã. Não demora ele chega nos levando ao velório.

Chegamos e o corpo do meu pai já está aqui, o lugar é amplo, mas parece tão pequeno e sufocante. Não sei se o fato de saber que meu pai está sem vida em um caixão, ou se é pelo marron dos bancos e a pouca iluminação, mas o ar quase me falta, inspiro e solto o ar devagar, querendo sair correndo para um lugar onde eu consiga respirar, porém sei que não posso, então me abaixo e explico a Maitê o que viemos fazer aqui, não quis fazer assim que acordamos.

Passamos o dia recebendo os pêsames das pessoas que meu pai conhecia e por volta das dezessete horas, acontece o sepultamento. Quando por fim o enterram, eu olho para minha irmã ao meu lado, segurando firme em minha mão, e me dou conta de que não poderei ficar chorando, preciso ser forte e cuidar dela, para que onde ele estiver fique orgulhoso de mim.

Doutor Tavarez nos deixa em casa, ele até nos convidou para ir para a casa dele, mas eu preferi já começar a me habituar com nossa nova realidade. Marquei com ele para nos encontrarmos na academia daqui três dias. Sento com Maitê no sofá da sala e tento me organizar mentalmente em como irei agir. Resolvo que o melhor é tomarmos um banho, a deixo no quarto dela e sigo para o meu, choro por alguns minutos no chuveiro, mas logo me controlo e desço. Preparo um lanche rápido que engulo forçado e em seguida nos deitamos, Maitê não quis dormir em seu quarto e passou a noite abraçada a mim.

Nos dias seguintes ficamos em casa, não consegui fazê-la dormir em seu quarto, então decidi que será melhor alugar um apartamento para nós dois, acredito que será mais fácil seguirmos adiante sem tantas lembranças do meu pai, ele está presente demais nessa casa, vivemos tantos momentos felizes aqui, mas agora a casa parece triste e vazia, apesar de fisicamente estar igual.

Aos poucos tomo total controle da situação da empresa e de nossas vidas, com tantos afazeres, os dias passam rápido, Maitê voltou a ir para escola depois de duas semanas, e graças a Deus, seu retorno foi tranquilo. Completou um mês da morte do meu pai e nos mudamos para um apartamento que fica cerca de meia hora de distância da academia, mas é bem próximo da escola dela. Não é muito grande e apesar de ter seu quarto, quase todas as noites, Maitê ainda insiste em dormir comigo.

Três meses depois, a saudade que sinto do meu pai só aumenta, algumas vezes choro durante o banho ou a noite depois que minha irmã já está dormindo, mas já estou completamente ciente das minhas responsabilidades e de todos os nossos negócios.

O tempo passou e completei dezoito anos e aos poucos fui retomando minha rotina como homem, a princípio só ficando com as alunas das academias, normalmente no almoxarifado ou no estacionamento dentro do meu carro. Também comecei a faculdade, optei pela modalidade semi presencial, já que assim consigo me organizar melhor com Maitê, e as transas com as garotas aumentaram bastante, pois agora além das alunas das academias eu tenho outras opções na faculdade.

Não saio para baladas ou passeios de adultos, não consigo deixar minha irmã com babás para isso, e também não tenho muito interesse, já que meu lance com as mulheres é apenas o sexo e isso faço todos os dias, não vejo a necessidade de sair beber, paquerar e curtir, sendo que elas aceitam prontamente transar no intervalo ou ao fim das aulas, dentro do meu carro mesmo.

As poucas vezes que sai com Daniel, foi apenas para beber, e só sai porque Maitê estava na casa de alguma amiguinha da escola, em nenhuma delas fiquei com alguém, não me interessei ao ponto de querer paquerar, e em todas as vezes, não sei se pelo fato de estar meio bêbado ou saudade de alguém que não consigo esquecer, ao chegar em casa, a primeira coisa que faço é pegar meu envelope com as lembranças da Nicole e ficar pensando em como e onde ela estará?

Sem perceber o tempo passar pela correria da vida, já estou com pouco mais de dezenove anos, consegui estabelecer uma rotina legal para mim e Maitê, os negócios estão cada vez melhores, já poderia até abrir uma terceira academia, porém resolvi esperar concluir a faculdade, assim conseguirei administrar melhor meu tempo.

Temos um sobrado ao lado da academia onde mantenho meu escritório principal e passo a maior parte do meu tempo, ele sempre é alugado para empresas, ficou quatro meses vazio após os últimos inquilinos saírem para reparos e pintura antes de colocar em locação novamente, mas logo que ele foi disponibilizado pela imobiliária, foi locado.

Estou no escritório analisando alguns documentos, quando a recepcionista liga, dizendo que a locatária do sobrado pediu ajuda pois não está conseguindo abrir o portão, olho em direção a recepção pela grande divisória de vidro que isola o local, mas me permite observar o movimento da academia. Digo que já estou indo, mas ao chegar a recepção só encontro a recepcionista.

— Onde ela está Márcia?

— Ela deixou o carro na calçada, ficou preocupada e achou melhor ir te esperar lá.

— Ok. Vou lá. — Respondo já saindo e assim que chego em frente ao sobrado...

Depois da ChuvaOnde histórias criam vida. Descubra agora