O médico entra com o meu prontuário e vários exames, olho para ele atentamente tentando decifra-lo e assim que senta em minha frente, ele questiona.
— Como se sente hoje Noah? Veio sozinho novamente?
— Sim doutor, vim sozinho, estou com dor e vomitei mais cedo, pode falar, o que eu tenho? — Vou direto ao ponto e ele me olha.
— Seria importante sua esposa estar aqui, seus exames acusaram um tumor no estômago, já em um nível considerável, esse tipo de tumor difícilmente se detecta no início...
— Estou com câncer? Eu estou morrendo, é esse meu diagnóstico? — O interrompo questionado.
— Você está com câncer Noah, mas não significa que esteja morrendo, está doente e vamos tratar, não será uma batalha fácil, mas podemos vence-la.
— Que tipo de tratamento?
— Vamos iniciar com quimioterapia e então realizaremos a cirurgia. — Fico olhando para ele, mas na verdade minha mente só processa que estou morrendo, que preciso resolver o que fazer para garantir que Nicole e Maitê fiquem bem, pois sei que morrerei, minha mãe morreu no parto de Maitê, mas foi por complicações em decorrência de um câncer e meu pai morreu de câncer. Agora eu estou aqui, morrendo por causa de um câncer. — Noah? — O médico me chama, e assim me tira dos meus devaneios.
— Desculpe, o senhor dizia?
— Noah, sei que é uma notícia difícil, e o choque que saber da doença desnorteia a maioria dos pacientes, mas você é muito jovem ainda, o estágio não é inicial, mas também não é terminal, existe o tratamento, ele é difícil, longo e doloroso, mas você pode superar. Vai para casa, conversa com sua esposa, você vai precisar do apoio dela, então voltem para tirar todas as dúvidas e marcamos o início do tratamento.
— Certo, obrigado doutor. — Saio dali perdido, e se o tratamento não der certo? Só irei prolongar o sofrimento da minha família.
Dirijo sem rumo, passo por frente da academia e da agência, mas não paro, após algumas voltas sem destino certo, acabo indo para casa, assim que estaciono olho para os exames no banco do carona, pego todos e entro direto para o meu quarto, me jogo na cama e abraçado ao travesseiro da minha mulher eu choro.
Começo a lembrar do desespero dela com Maitê doente quando Noah morreu, do olhar de medo quando eu estava com pneumonia, fora algumas outras vezes que ficamos doente e ela não lidou bem com a situação, em todas ela já se apavorava dizendo que não aguentaria perder mais ninguém, e olha que nunca foi uma doença grave.
Não posso contar a ela que estou com câncer, ela não vai lidar bem com isso, vai se desesperar, entrar em pânico e passar mal, não posso fazê-la sofrer, principalmente porque existe uma grande possibilidade de eu morrer, não vou arrasta-la para esse calvário.
Levanto rápido e vou até o escritório que temos em casa, guardo os exames na gaveta da minha mesa, já que ninguém além de mim costuma mexer nela, olho para o quarto da minha irmã e penso que precisarei resolver a situação da guarda dela.
Volto ao meu quarto, pego uma blusa da minha esposa e borrifo seu perfume nela para que eu possa sentir seu cheiro, pego algumas coisas minhas, bem poucas para que Nicole não sinta falta de nada ao olhar para nosso closet, e então saio.
Novamente dirijo sem rumo, quando dá o horário de buscar Maitê na escola, meu telefone começa a tocar incansavelmente, mas apenas o coloco no silencioso e o jogo no banco do carona. Depois de um tempo o telefone para, deduzo que Nicole pegou Maitê na escola e não quer assustá-la.
Após dirigir mais um tempo, eu resolvo parar em um hotel, me hospedo e ao entrar no quarto redijo um email para meu advogado, pedindo orientação em como proceder para deixar a guarda de Maitê para Nicole.
E então resolvo beber, como no frigobar do hotel não há tequila, eu saio e compro duas garrafas, volto ao hotel e quando dou o primeiro gole, lembro de ensinar Nicole a beber, e de como ela gostou, sempre que saímos só nós dois ou que vamos há alguma balada com amigos, bebemos, e minha esposa me acompanha nas doses, se divertindo mais a cada rodada.
Minhas lágrimas rolam ao lembrar de todos os momentos felizes que tivemos e a raiva por saber que isso será interrompido me toma, eu jogo a garrafa contra a parede e choro de soluçar. Até que percebo meu telefone voltar a tocar, após algumas chamadas que ignoro deixando que elas caiam na caixa postal, ele para. Logo na sequência começam a chegar mensagens, mas eu não tenho coragem de lê-las e apenas jogo o telefone para longe.
Levanto correndo rumo ao banheiro, sentindo a náusea me tomar, mal chego ao vaso e coloco toda a bebida que tomei para fora, quando já não há mais o que vomitar, eu percebo que vomitei um pouco de sangue, mas apenas lavo minha boca e volto ao quarto me jogando na cama.
Permaneço chorando até que meu telefone acende e eu o pego, vejo que é mais uma mensagem de Nicole, respiro fundo, sei que ela não irá desistir, então envio um e-mail para ela, com apenas uma frase: " Me deixa em paz..." Novamente jogo meu celular na cama e sigo chorando, até que acabo adormecendo.
Quando acordo ainda é madrugada, estou com muita dor, acredito que jogar tequila num estômago com câncer tenha sido uma péssima ideia, tomo um banho quase que me arrastando, e ao terminar me jogo novamente na cama enrolado na toalha, fico ali, chorando e me contorcendo de dor até que...
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Depois da Chuva
RomanceA vida fez com que Noah amadurecesse em poucos meses, algo que a maioria das pessoas levaria anos para alcançar. Ainda muito jovem, ele teve que assumir a responsabilidade por sua família e adaptar seus sonhos pessoais a essa nova realidade. No enta...