Capítulo XVII

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- Tudo o que eu sempre sonhei; Pullovers

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POV Marjorie Cerrado


- Vocês poderiam ter mais educação. Eu moro ao lado. - Victoria bufa, irritada, enquanto seca minha louça.

- E eu lá lembro de você? Com ele daquele jeito, eu só penso no quão gostoso ele é.

- Eu ouvi...

- O que foi? - Pergunto. Eu sei que Victoria quer falar algo. Ela encara o nada com uma cara de pensativa.

- O que vai fazer agora? Em relação ao trabalho? - A verdade é que nem eu sei. Eu preciso de um emprego mas é foda porque nenhum vai me pagar tão bem.

Eu nunca contei a ninguém minha história nessa vida. Ou melhor, nunca contei a ninguém a minha história de vida.

Quando eu e Victoria terminamos o colégio, ela conseguiu logo sair do morro. Ela era linda e desde nova tinha caras mais velhos atrás dela. Como ela virou puta eu já não sei, mas sei que foi assim que, aos dezenove anos, Victoria já vivia sozinha em um apartamento longe do Morro dos Prazeres.

Quando terminei a escola, tentei de tudo. Coloquei currículo de mercearia de esquina a empresas multinacionais. O foda é que eu sou mulher, periférica e preta. Arranjar um trabalho é foda.

Em alguns momentos, via minha família dormir no escuro porque a luz foi cortada. Nunca passamos fome, graças ao pessoal da ONG em que eu ainda trabalho, mas vivíamos em extrema pobreza.

Um dia, Luana tinha chegado em casa, vítima de bullying por causa da mochila que estava rasgada. Ela não me disse nada, mas eu descobri pelos garotos da ONG. Isso partiu meu coração. Doeu pra caralho e eu quis tanto morrer. Eu quis muito matar meu pai também, seja lá quem ele for.

Fui chorando pra Victoria, pedindo ajuda porque ela também vivia no morro. Porra, ela teve tantas outras oportunidades, por ser branca e padrão, que eu não tive e eu odiei tanto aquilo. Eu não odiava a minha amiga, mas odiava e odeio essa merda de sistema racista. Eu já não tava mais tão feia, então Victoria, relutante, me contou o que fazia.

Geralmente, as pessoas tomam um susto ao ouvirem a proposta, mas eu não. Quando ela me perguntou se eu queria um cliente dela, topei na hora. Não lembrava de pudor, moral, julgamentos... Tudo o que passava na minha cabeça é: porra, isso da uma grana fudida. Fora que eu já tinha transado uma vez, não iria ser tão difícil. E eu aceitei.

Depois disso, consegui um bom dinheiro e comecei a usar Victoria como laranja. Só falava a minha mãe a quantia que eu poderia ganhar em qualquer bico que eu fizesse, e sempre deu certo. Depois de um tempo, ela deixou de perguntar e então não precisei falar sobre.

Quando consegui mudar Luana de escola foi gratificante demais. Eu ja nao me importava com mais nada além da educação que minha irmã iria receber. Eu também comecei a valorizar meu produto: comecei a fazer cursos de idiomas, praticar esportes e a ir mais ao médico, coisa que a gente não fazia.

- Ma...? - Victoria me cutuca, fazendo meus pensamentos sumirem.

- Ãh... Oi.

- O que vai fazer com o trabalho?

- Não entende que eu não quero ninguém além de Roberto, Vic? Eu não quero mais esse trabalho. Eu tenho uma grana guardada e vou tentar achar alguma coisa.

- Mas e Fábio?

- Eu não tenho nada a ver com Fábio. Eu não trabalho no puteiro dele, trabalho por fora.

Insensatos | CAPITÃO NASCIMENTO Onde histórias criam vida. Descubra agora