P A S S E I O

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Quando eu recém completara seis anos, meus pais ainda moravam juntos e tudo era perfeito pra mim. No natal Gregg e eu costumávamos correr pela casa inteira brincando até a hora da ceia. Meus pais insistiam para que a gente parasse com a barulheira mas era impossível. Eu sempre acordava muito cedo para checar a meia na chaminé, e acredito que meus pais acordavam mais cedo ainda, pois eu sempre achava um presente e vários doces. Antes do alimento meu pai fazia a oração e eu com um olho entre aberto reparava no quão sincero era aquilo, e especialmente no quão incrível havia sendo o dia com a família reunida.

Eu deveria ter aproveitado mais. Eu não imaginaria que no natal dos meus dezessete anos eu passaria sozinha no meu quarto desejando que fosse o último.

— Eu atendo. — Falei para o meu pai que ameaçou se levantar assim que a porta acionou.
— Está esperando alguém?
— Mais ou menos isso.

Eu tinha pedido aos céus escurecer de pressa, e por fim, as 9h00 havia chegado.
Tomei um banho, pus uma calça preta e um moletom branco, era apenas um passeio no quarteirão não um baile de inverno, então deixei algum vestido pra próxima, se é que eu usaria um.

— Oi. —  Abri a porta com um sorriso gentil e fiz com a mão sinal para que ele entrasse.
— Oi, obrigada. — Lowis beijou meu rosto e se direcionou ao sofá para cumprimentar meu pai e logo em seguida Jenna, enquanto eu ainda estava com um sorriso torto pelo gesto de carinho.

— Boa noite, Sr... — Ele buscava em sua mente meu sobrenome, mas meu pai logo deduziu que eu não teria dito.
— Sr Hughes.
— Lowis Russel. — Disse soltando o aperto de mãos.

Ele entrou em um papo amigável com meu pai como se já tivessem se conhecido na fila de alguma lotérica.

— Acho melhor eles irem, vai ficar tarde. — Jenna disse palavras ótimas de serem escutadas e meu pai finalizou o papo.

— Até mais Jenna, a gente se vê Oliver.

Eu sorri de canto ao perceber que Lowis a essa altura já sabia o nome do meu pai e se despedia facilmente. Me veio uma imagem péssima ao imaginar eu conhecendo a familia dele sem esse jeito fácil de se adaptar.

— Seu namorado é uma graça, Carrie. — Jenna elogiou quando íamos em direção a porta.
— Ele não é...
— Se cuidem. — Meu pai interrompeu erguendo a mão.
— Ok.

Começamos andando pela calçada, e depois de alguns metros chegamos à uma praça, repleta de árvores amarelas, um amarelo escuro, e várias flores que tinham essências de melão, ou abacaxi talvez. Não teria reparado esse detalhe se ele não tivesse comentado.

— Isso cheira a melão. — Lowis falava com um sorriso analisando o chão.
— Isso? Melão?
— As folhas.
— Acho que abacaxi.
— Talvez uma salada de frutas.

Eu ri e percebi que os pequenos detalhes da noite com ele já me deixava alegre.

— Você mandou bem com meu pai, ele gostou de você.
— É, ele me pareceu legal.
— Deve ser.
— Deve?
— É, eu não sei muito bem qual é a dele.
— Mas ele é seu pai.
— Eu sei, mas somos distantes.
— Acho que ele não gosta dessa distância.
— É. — Ergui as sobrancelhas com a certeza do fato.

Fomos caminhando até o parque, e o vento que ficava cada vez mais forte, balançava meus cabelos levando até o rosto.

— Vem comigo.
— Aonde?

Lowis puxou minha mão esquerda e andou de pressa quase correndo até o balanço. Ele fez sinal para que eu sentasse e começou a me empurrar devagar, apoiando minhas costas.

— Grite. — Ele pediu, e começou me empurrar forte.
— O quê? — Olhei para trás confusa.
— Grite, qualquer coisa.
— Tá legal.

— Pizzaaaaaaaaaa. — Minha voz ecoava pela cidade a nós riamos constantemente.
— Mais alto.
— PIZZAAAAAAAA.
— Porque está gritando nome de comida? — Ele perguntou ainda rindo.
— Você pediu pra eu gritar qualquer coisa.
— Na esperança de que fosse gritar que gosta de mim. — Ele deu de ombros.
— Desculpas.
— Segunda chance, grite outra coisa que você quer muito.
— MORTEEEEEEE.
— Carrie!  — Ele parou o balanço e me olhava estranho, enquanto eu não conseguia conter o riso.
— O quê?

Ele balançou a cabeça como se aquilo fosse muito estranho de presenciar e soltou uma gargalhada.

— Essa suas piadas com a morte são bizarras. — Ele comentou sentando no balanço ao lado.
— Não são piadas. — Sorri.
— O mais engraçado é que eu sou apaixonado até no seu lado atípico. — Ele falou olhando para cidade, a qual a vista estava espetacular.

Eu fiquei pálida, eu tinha escutado direito? Ele estava apaixonado por mim? Assim, de repente? Com todos desmaios e crises?
Minhas mãos começaram suar.

— Eu amo observar a cidade. — Ele iniciou outro diálogo rompendo o clima pesado.
— Eu também, geralmente do telhado.
— Telhado?
— Sim, todo esses brilhos me encantam.
— Sabe o que me encanta? — Ele me fitou, levando uma mão mais perto de mim e arrumando carinhosamente meus cabelos que estavam avoando. — Seus olhos.

Minhas MarésOnde histórias criam vida. Descubra agora