A D E U S S A RA

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Depois de andar na cidade, sem saber pra onde ir, voltei para casa em passos lentos.
Encontrei meu pai sentado na calçada da frente, com o rosto triste.

— Dia difícil? — Sentei ao seu lado.
O frio continuava forte, e o vento favorável.
— É a Jenna, ela parece nunca me entender. — Ele jogou os braços sobre os joelhos.
— Acho que nessa vida ninguém entende ninguém.
— Ele assentiu. — Sinto falta da sua mãe.
— Com certeza ela também sente. O Tom é um idiota.
— Meu pai riu. — Que bom que não gosta dele, eu ficaria com ciúmes.
— Na verdade eu não gosto de ninguém.
— Ninguém exceto Lowis não é? imagino que estava com ele até agora.
— Meu pai deu tapas leves no meu ombro.
— Pai, por favor.  — Me levantei. — Ele é o cara que eu desejaria desconhecer, se fosse possível.
— Negar o que sente não vai mudar nada.
— Acho que já sei porque a gente quase não se fala.
— Entrei em casa e subi pro quarto.
— Carrie, espera... eu não quis te chatear.
— Escutei o que ele disse, mas continuei andando.

Desde que eu havia voltado, notei que esse fora o maior diálogo tido com meu pai. Eu percebi que toda a raiva que eu estava por ele ter me feito ficar naquela clínica havia acabado, talvez fosse gratidão, afinal, se eu não tivesse ido, jamais conheceria Pieter.

Meu coração apertou quando lembrei dele. Decidi que na manhã seguinte, quando eu fosse no velório da Senhora Russel, aproveitaria e iria falar com ele. Eu costumava conversar com Pieter em voz alta, depois de colocar rosas em seu túmulo, e chorar em silêncio. Eu tinha prometido a mim mesma que não ficaria se lamentando, e era exatamente o que ele havia pedido na carta, mas eu chorava de saudades, porque saudades, eu sempre sentia.

***

Acordei cedo, tomei um banho e descendo as escadas, escutei brigas do meu pai com a Jenna. Aproveitei que eles não notaria minha presença passando por eles, e saí sem avisar pra onde iria, e lá fui eu, pra mais uma despedida.

Eu nunca havia pensado antes que iria tão frequentemente a um cemitério. Eu já conhecia o caminho inteiro, e após entrar no taxi pedi pra que parasse na floricultura mais próxima. Naquela manhã, além das rosas, comprei margaridas. Sara havia sido tão sincera no pedido, isso ainda me incomodava.

Eu tinha prometido, ajudaria Lowis a não se sentir tão só. O que era fácil, pois ele tinha Katy. Mas eu, eu não tinha ninguém.

Quando cheguei, me assustei com a quantidade de carros chiquerrimos que estavam alí. Havia muitos homens de terno e mulheres com vestidos e sapatos de grife.

Deduzi que Sara durante sua vida saudável teria sido completamente gentil com todos, assim como fora comigo, até os últimos minutos. Alguns olhares foram voltados a mim por micros segundos assim que me aproximei, mas ao contrário das outras pessoas, Katy não parou de olhar.
Ela, que estava de mãos dadas com Lowis, me olhou como se minha presença fosse indesejada. Lowis não me notou, ele estava desequilibrado, percebi que chorava muito.

Fiquei em um canto sozinha, observando as palavras que o padre dizia.

— Em homenagem a Sara Russel seu filho, e seu esposo virá aqui na frente.

A multidão assentiu, e o senhor Russel se dirigiu até à frente.

— Sara foi...
— Ele secou as lágrimas e arrumou o terno.
— Foi uma mulher maravilhosa. Eu tenho muito orgulho de ter sido seu marido, e ter acordado todos os dias ao seu lado. Infelizmente, não por muito tempo, mas nossos dias juntos, foram inesquecíveis. Eu pensei que não a amaria tanto assim quando completassemos mais de dez anos de casados, mas eu estava enganado, eu acordava todos os dias apaixonado por ela, e sei, que, com o seu jeito, ela conquistou todos nós, e estará em nossos corações para sempre.

Ele voltou para seu lugar, tirando um lenço do bolso e passando nos olhos.
Logo em seguida, Lowis foi à frente.

— Minha mãe costumava cantar pra mim dormir, quando eu era criança, eu... me sentia tão seguro enquanto ela estava alí, muitas vezes acariciando meus cabelos e...

Ele começou a chorar. — Desculpas, eu não consigo fazer isso.
Saiu andando pelo cemitério, e Katy foi logo atrás, percebi que ele disse algo que a fez voltar imediatamente.

O padre voltou ao seu lugar e prosseguiu a cerimônia.

Fiquei por segundos me perguntando se deveria ou não ir falar com ele, mas em consideração a tudo que ele estava passando no momento, eu fui.

Quando me aproximei, ele me olhou assustado, como se fosse uma surpresa eu estar alí.

— Carrie? — Seus olhos estavam vermelhos devido a tantas lágrimas, e mesmo assim, ele conseguiu abrir um sorriso, pequeno, mas sincero.
Eu fiquei em silêncio, minhas mãos suaram, e mais uma vez, não sabia o que dizer.

— Sinto muito pela sua mãe. — Falei por fim.
— Eu também. — Ele me abraçou.
— Ela está em um lugar melhor agora.
— Sim, ela era uma ótima pessoa, mas é tão difícil...aceitar sabe?
— Sei.
— Sabe?
— Eu também perdi alguém importante esses dias.
— Carrie, você está bem? porque não me contou nada?
— Lowis tudo bem, nao se preocupe, eu estou aqui pra você agora, não vamos falar de mim, vem cá. — O levei até um banco, e tentei consolá-lo com algumas palavras.

Notei que Katy estava olhando de canto, provavelmente se questionando porque ele pedira pra o deixar sozinho, e aceitou conversa comigo. Enquanto isso, todos se despediam e algumas pessoas já iam embora.

— Eu vou me despedir, você vem? — Ele levantou.
— Sim, eu trouxe flores.

Lowis se aproximou do caixão e Katy correu imediatamente ao seu encontro, tentando trazer certa paz a ele, mas parecia ser impossível.
Ele dizia coisas para a mãe, que estava de olhos fechados pra sempre e com muitas flores em volta. Tentei entender o que ele dizia, mas da onde eu estava não era possível, apenas notei que seus lábios disseram eu te amo, e ele se afastou.
Ele olhou em minha direção, como se quisesse conversar, mas seu pai, o abraçou pelo ombro e foram até o carro, e depois partiram.

— Vamos sentir sua falta.
— Coloquei as margaridas sobre o caixão, e saí.

Andei sobre o cemitério, e fui até o túmulo do Pieter, que não ficava muito longe.
Depositei as rosas, e sentei na grama.
O frio ainda era forte e o vento levava meus cabelos até o rosto, me causando uma sensação enorme de solidão.

— Oi. — Olhei para o nome dele escrito no concreto.
— Eu sempre sinto sua falta, mas hoje eu precisava mesmo você. É, eu sei, impossível te ter novamente, mas, ás vezes é tão difícil Pieter, você deveria estar aqui comigo.

Apertei minha jaqueta com os braços, e depois tirei alguns fios de cabelo que vinha até o meu rosto.

— A senhora Russel me fez um pedido, e eu não sei o que fazer quanto a isso, o que você acha? eu sei que você pediu pra que eu vivesse e não ficasse me lamentando sobre sua escolha, mas, você não deveria ter me deixado aqui, me sinto tão... vulnerável.

Fiquei uns minutos em silêncio, observando o vento e desejando que tudo fosse um sonho.

— Fazem tantos dias que eu não desmaio, estou começando a ter certeza que passar um tempo com você foi meu remédio. Até amanhã Pieter.

Me levantei e fui embora.
Havia sido mais um dia longo, mais um encontro com Lowis, outro aperto por saber que ele e Katy ainda eram um casal e muita ansiedade pra entender o porquê disso, e o pior de tudo, outro dia conversando sozinha com um túmulo, na esperança de que, Pieter, aonde quer que estivesse, me escutasse e me fizesse sentir menos sozinha.

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