O serviço da floricultura estava ótimo, eu conheci vários tipos de flores, inclusive umas bem pequenas e brancas que transmitiam paz, com certeza superou todas minhas expectativas. Era tranquilo e as pessoas sempre gentis na hora da compra, cheguei até concluir que os fregueses fossem intensos, todos eles. Eu via o brilho no olhar de cada um quando encarava a flor tendo a certeza que faria alguém feliz, mas eu também reconhecia os olhares de dor, o olhar que eu sempre tenho ao escolher rosas para o Pieter.O velho Willy não me obrigou a usar uniformes, e isso me deixou mais aliviada, entretanto, não abusei dessa sorte. Colocava sempre uma calça preta e algum suéter claro. Ele havia me dado duas horas para o almoço, mas eu quase não tinha o que fazer, então, voltava mais cedo.
Eu conheci um restaurante ótimo, eles serviam um salmon incrível, o mais engraçado era eu ser a única no local sem companhia, lembro até que alguns garçons demoram pra acostumar.
— Quero macarrão ao molho francês e salmon por favor. — eu pedi olhando o cardápio.
— Mais alguma coisa senhorita?
— Só isso, obrigada.
— Devo trazer duas taças? caso esteja esperando alguém.
— Sou só eu.
— Ok.Também não posso deixar de lembrar sobre a sobremesa, não consigo achar um creme de maracujá melhor até hoje, depois de todo esse tempo.
Depois da refeição, eu sempre passava no cemitério antes de voltar ao trabalho. Willy já sabia de toda história, ele era um ótimo homem, um certo dia ele foi até lá comigo, e de repente quando eu o vejo se afastando decidi acompanha-lo. Ele foi até um túmulo, e sorriu.
— Minha esposa. — ele me explicou.
— Ah, Willy, eu sinto muito.
— Ah, tudo bem garotinha, já faz um bom tempo.
— Não acho que o tempo possa curar a dor.
— Quem dera. — ele deixou seus ombros caírem. — quem dera. — repetiu.
— Como ela era?
— Esplêndida.
— Como se conheceram?
— Ah, é uma longa história.
— Promete me contar um dia.
— Claro, você vai adorar saber que foi ela quem me fez gostar de flores.
— Nossa, que incrível Willy.
— É...Nossos silêncios foram longos.
Até que ele resolveu falar novamente.— Eu não venho mais com tanta frequência.
— Alguma razão?
— Não, eu só resolvi deixa-la descansar um pouco, eu costumava vir aqui e falar sem parar, e chorar e dizer que não aguentava mais sentir tudo aquilo, e um belo dia, decidi que viria menos, não queria deixar ela tão preocupada comigo.
— Você acha que ela escuta?
— Sim. Eu gosto de pensar que ela escuta, torna mais fácil de suportar.
— Eu também acho.
— Qual o nome dele?
— Pieter.
— E vocês, hum...
— Não, não. Eu e o Pieter éramos, não sei, na verdade não sei o que éramos, mas me dói pensar em tudo que poderíamos ter sido, e agora, nunca seremos nada.
— Você é uma boa moça.
— Você não me conhece Willy, quando as pessoas me conhecem dizem outra coisa.
— Ele riu. — Você não é as conclusões que fazem de você.
— Eu sei, mas é que geralmente estão certos.
— Um dia vai ver que esse pensamento está complemente errado. A gente dorme numa noite e no dia seguinte amanhecemos com centenas de mudanças, então, a Carrie de quem pensaram ontem, não é a mesma que está aqui agora falando sobre mortos comigo.
— eu sorri. — Obrigada. — Queria que você fosse meu avô.
— Ele sorriu de volta. — Quem sabe em outra vida hein?
Meu coração saltou. — Outra vida, você acha que isso existe mesmo?
— Sim, vivemos pra isso, pra acreditar, e se essa hipótese me deixa mais feliz porquê não?
Me lembrei de Pieter.
— Espero que exista mesmo.Algumas horas se passaram e eu com o meu grande e único amigo, Willy, ainda falávamos sobre a vida. Eu adorava falar com ele sobre como eu me sentia, ele parecia saber tudo sobre as circunstâncias, talvez pela idade, mas eu realmente estava feliz por ter alguém pra conversar.
— E aquele rapaz?
— respirei fundo, eu sabia que ele estava falando do Lowis, e isso me deixava sem saber o que dizer.
— Eu vi que certo dia se encontraram na floricultura, antes mesmo de começar trabalhar lá, e vocês se olharam diferente, eu conheço esse tipo de olhar. — Ele tocou meu ombro.
— Eu não sei.
— Não sabe o que?
— O que aconteceu com a gente.
— Minha jovem, você quer um conselho?
— ele olhou com os olhos cansados e sinceros.
— Sim. — retribui o olhar de paz analisando suas muitas rugas em cada parte do rosto, e o cabelo branco. Com certeza ele teria algo bom a me dizer, as experiências fazem um bom conselheiro.
— Se você o ama, por favor, não finja não ama-lo. A vida é tão curta, você não pode desperdiça-la tentando enganar o próprio coração, ele é esperto demais.
Eu continuei como estava, prestando atenção em cada palavra que ele dizia, e assim ele continuou;
— O amor é um sentimento mágico, ele muda vidas, ele cria histórias, ele nos faz enxergar a beleza na existência. Eu me sinto muito mal quando as pessoas descrevem ele como algo ruim, deveria ser crime. — Ele deu uma gargalhada no final.
— É. — Foi só o que eu consegui dizer.
— Sabe... — ele olhou para algumas árvores que estavam perto de nós. — eu daria tudo pra ter minha esposa de volta... mas eu não posso, ninguém pode. E isso significa que não podemos concertar nada e muito menos voltar no tempo, então, viva os momentos, os segundos se puder, pare se privar as suas emoções, você nunca vai conseguir controla-las, mas pode fazer delas sua felicidade.Eu estava atônita com tudo o que ele havia dito.
— Obrigada. — eu disse por fim.
— Ele deu uma piscadela. — Viva menina, viva muito. Não quero que você chegue na minha idade e se arrependa de não ter aceitado as coisas como são e acabar passando os finais de semana numa cadeira de balanço tomando um horrível chá, com centenas de arrependimentos.Eu ri mais uma vez.
Ele estava completamente certo.

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Minhas Marés
Romansa[COMPLETO] Com uma vida fora dos trilhos, Carrie entra em depressão. A falta do carinho dos pais afeta sua rotina, mas quando conhece Lowis e se apaixona mais rápido do que imaginou, enxerga a felicidade perto. Contudo, quando a doença começa causa...