C A R R I E

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Olhos azuis, pele clara, cabelos negros. Assim que eu poderia me descrever em algum pedido sobre a fisionomia, mas o que me assustava, era o âmago, nele não tinha beleza, nem mesmo diferenças, era tudo escuro e perigoso. Eu tinha medo dos  meus instintos e capacidades, eu tinha medo de mim, porque de todas as formas, eu já havia me machucado.

Eu ganhei um coelho quando fiz aniversário de nove anos. Ele era tão branco quanto o sal que eu via na cozinha, e tão fofo quanto meus ursinhos de pelúcia. Eu via o lado bom em tudo, e minha estação preferida, era a primavera. Eu plantava e regrava flores em um pequeno jardim que minha mãe havia construído, e quando algumas morriam, eu as enterravam, pois dentro mim, apesar da tristeza de uma criança quando perde algo inútil, tinha uma certeza de que ela iria adorar ser enterrada invés de só ser jogada aos cantos, pois eu sabia que, se elas só floresciam se estivessem na terra, seu lugar preferido era lá.

Quando eu fiz quatorze anos, eu presenciei minha mãe jogando um abajur em meu pai. Era o começo de toda desordem. Depois do abajur foram copos, pratos, sapatos, e todo esses objetos que ficam espalhados pela casa. Em algum desses momentos, Gregg e eu colocavamos as mãos na orelha na tentativa de não escutar o caos que a nossa família havia se tornado, e naquele dia, eu jurei para mim mesma nunca me apaixonar. Eu poderia ter levado essa promessa à diante, teria evitado noites de tormenta, mas eu sempre estrago tudo de qualquer forma.

E lá estava eu, com os olhos inchados de tanto chorar e amaldiçoando tudo que via pela frente. Meu pai havia me contado, contado qual era sua decisão naquela noite em que ele e a Dra Vivian conversam em uma sala privada sobre mim.

Uma bolsa na minha mão direta, e outra na esquerda, sem olhar para trás, precisei entrar no taxi, e observar em reflexos os acenos na janela do automóvel.

***

Horas antes.

Depois de tomar banho na banheira mais rica que já estive, e fazer amor com o cara que eu estava completamente apaixonada, me sentia completamente melhor.

Lowis e eu aproveitamos a manhã para relaxar. Depois do banho nós fomos ver a sua mãe, e eu fiquei espantada do quão rápido ela havia perdido peso, mas não comentei pois ela estava contente. Até pediu que a gente tomasse um chá.

— Lowis está em boas mãos, eu tenho certeza.
— Ele é um ótimo garoto. — Olhei para ele e depois para o sorisso que formou na boca dela.

A senhora Russel tossia fraco frequentemente, e durante, Lowis tentava disfarçar mas estava preocupado.

— Ela vai ficar bem. — Peguei a mão dele e falei baixo.

Depois de um bom tempo rindo e vendo o álbum da família com Sara, nós à deixamos descansar.

— O que quer fazer?  — Lowis sorriu pra mim, e pegou minha mão.
— Qualquer coisa, contanto que seja com você.
— Eu quero te mostrar algo, venha.

Lowis me levou para alguns andares há cima, e chegamos até uma sala bastante peculiar.
Tinha espelho em todo lugar, era impossível ficar parado, sem rodar algumas vezes.

— O que é isso?
— É uma sala de balé.
— Tá, mas eu não sou bailarina.
— Estou decepcionado.
— Que?
— Brincadeira. Eu imaginei que não fosse, mas não foi para dançar que eu a trouxe aqui.
— Agora estou curiosa. — Eu continuava olhando sem parar para todos os cantos.
— Está pronta?
— Pronta?
— Fique parada.

Mesmo sem entender, eu parei imediatamente.

— Olhe fixamente para qualquer lugar.
— Mas só têm espelhos aqui.
— Eu sei.

Apesar de muitas opções, continuei olhando para frente.

— O que você vê?
Lowis estava ao meu lado, e me olhava como se me conhecesse melhor que eu mesma.
— O que eu vejo? isso é um espelho. reflexos.
— Certo, o que mais?
— Lowis o que é isso?
— O que você vê Carrie?
— Eu.
— Só isso, "eu"?
— É. To vendo uma menina, de cabelo solto e roupas esquisitas, eu.
— Mas não é isso que eu vejo.
— Precisa trocar de ângulo.
— Não digo nesse sentido.
— Não?
— Não. Eu vejo mais do que uma garota de cabelo solto e vestido.

Eu suspirei, e fiz análises em mim, devagar, olhando por segundos meus olhos, e até meus pés.

— É só o que eu vejo.
— É uma pena.
— O que?
— Eu não poder te emprestar meus olhos pra você conseguir ver o que eu vejo ao te olhar.
— Lowis, eu...

Ele deu mais um passo, e me beijou. Foi romântico e calmo. Meu coração aumentava o ritimo e eu só tinha certeza de que ninguém nunca havia me beijado assim antes. Seu beijo tinha gosto de morango.

— Poderia ter me beijado na sala.
— Eu não vim aqui para te beijar.
— Mas beijou.
— Eu não tenho culpa de toda vez que eu te olho sinto vontade de beijar você.
Eu sorri com os olhos e com a boca.
— Vai me dizer porque eu vim nesse lugar de encenar filmes de terror?
— Só se parar com suas piadinhas.
— Vou tentar.

Lowis pegou no meu corpo, e me virou para o outro lado.
— E agora, o que você vê?
— Eu.
— E agora?
— Eu.
— E agora?
— Ainda eu.
Ele me virava em sentido horário e me olhava pelo espelho, em meus olhos.
— Viu, esse é o seu problema.
— O meu problema? — Perguntei virando-se a ele.
— É. Você não enxerga o mesmo que eu Carrie.
—  O que você vê?
— Era isso que eu queria que perguntasse.
— Por quê?
— Porque eu não acho sua roupa esquisita, nem vejo só uma menininha no reflexo. Eu vejo uma mulher forte, capaz de encarar o mundo. Vejo uma mulher com um jeito de ser incrível, com um lado bom, que tenta esconder do mundo, mas que o mundo sabe, que se essa mulher sorrir para vida, ele consegue tudo. Você precisa ver isso Carrie. Precisa ver além...
— Eu n...
— Pra mim, você não é a simples garota que eu conheci no campo de Lacrosse, você é a garota que está mudando minha vida, meus planos, até meus sonhos mudaram depois que eu te conheci, e eu não sei como agradecer, você me fez querer ser um cara melhor.

Meus olhos estavam cheios de água e eu via isso por centenas de lugares.

— Você precisa encontrar essa luz em você.
— Não é tão fácil.
— Não é, mas eu estou aqui.
— Está. — As lágrimas escorreram mas eu sorri para ele.
— Eu sempre vou estar. — Ele me abraçou.

Eu não havia entendido completamente o intuito de toda aquele passeio até o quarto espelhado, mas se todo o plano era melhor fazer ficar melhor, ele havia conseguido a partir do momento que se aproximou.

Minhas MarésOnde histórias criam vida. Descubra agora