Eu não consegui evitar.
As três da manhã quando eu rolava de um lado para o outro na cama me perguntando se devia ligar pra ele resolvi tomar um banho. No banho eu chorei, e notei que eu precisava de um rumo, de uma direção que não me fizesse sentir tão vazia assim em plena madrugada de um novo ano que se iniciava.
Com o cabelo enrolado em uma toalha, sentei em uma cadeira na laje, meu novo lugar preferido já que eu não tinha a janela. Meu apartamento era no décimo terceiro andar, o que me causava um frio na barriga quando eu olhava pra baixo escutando os longos sons de buzinas.
Fiquei ali em média de uns vinte minutos, e depois de quase surtar pela maldita insônia e falta de compreensão comigo mesma, peguei o telefone.
Eu sabia que não era a coisa certa a fazer, óbvio que sabia, mas eu estava desesperada pra ouvir a voz dele de novo, nem que fosse apenas por um segundo.
Olhei para os números tentando me concentrar, e meditar no quão arrependida eu poderia ficar depois disso, só que mesmo assim, liguei.
Chamou cinco vezes. Eu pensei que iria cair na caixa de mensagens, mas de repente uma voz de sono, me fez levantar apavorada.
— Carrie? — Lowis disse meio sem entender a situação.
— Oi. — eu sussurrei quase rouco.
— Aconteceu alguma coisa? — ele agora falava mais firme.
— Não eu só... eu só...
— Está tudo bem?
— Não. — sussurrei outra vez.
— Droga! você está passando mal? você está no hospital? eu já estou indo te ver só um instante eu vou pegar as chaves e lavar o rosto e...Eu o interrompi — Não precisa, não é isso, eu estou bem, quer dizer, parcialmente, não sei, eu só não consigo dormir e estou cansada disso tudo, da minha vida, sabe? e eu percebi que é realmente o fundo do poço porque você foi a única pessoa que eu pensei em ligar a noite toda.
— Isso é ruim?
— Eu não sei.
— Se servir de consolo, eu pensei em te ligar todos os dias nessa semana.
— Mas não ligou, eu sim. Talvez você seja mais forte do que eu. Eu prometi que não ligaria, eu prometi, e eu odeio não cumprir minhas promessas.
— Estou tão feliz que tenha ligado. — Eu sorri de canto, enquanto ele respirava do outro lado da linha, e continuava; — Acho que quem é melhor pra quebrar promessas aqui, sou eu.
— Não vamos entrar nesse assunto hoje, pelo menos não hoje. — eu pedi enquanto tirava a toalha da cabeça, sentava novamente e penteava o cabelo com os dedos.
— Se eu pudesse, não falaria disso nunca mais, aliás, se eu pudesse apagaria isso das nossas vidas.
— Quem dera.
— Carrie?
— Sim?
— Que bom que ligou, eu estava tão, vazio ultimamente, sempre procurando algo sabe?
Sei, é claro que eu sei. — pensei.
— Hum. Foi difícil.
— Ligar?
— É. Um grande paradoxo isso. A gente vive esperando o dia em que tudo fica bem e que a gente acorda e, pronto tudo se resolveu, mas é meio que uma ilusão, não acha?
— Acho. Depois que eu perdi minha mãe tudo é sem sentido, não quero viver assim.
— Sobre isso, e o seu pai?
— Ah, eu não sei muito. Ele quase não se abre comigo está ocupado demais preocupado com grana que esquece do filho adolescente sem a mãe.
— Sinto muito.
— Eu também.
— Quem diria hein?
— O que? — ele disse calmo.
— Nós dois aqui, nessa competição de quem tem a vida mais ferrada, e agindo como adultos, sem nenhuma discussão.
— ele riu. — Estou impressionado.
— Pois é.
— Aposto que daqui a pouco você já vai querer jogar tudo na minha cara de novo.
— Não é uma má idéia.
— Ok, eu mereço.
— Sim Lowis, merece muito.
— Tá vendo? já começou.
— eu ri. — Desculpa. eu realmente não quero brigar com você hoje.
— E amanhã, vai estar me odiando como antes?
— Eu não te odeio Lowis, eu só não gosto mais de você.
— Não?
— Da pessoa que você se tornou.
— Você não pode me julgar por um erro e achar que isso define quem eu sou.
— Certo, me desculpe.
— Se eu desculpar você para de ser tão durona comigo assim?
— Vou pensar sobre isso, talvez.
— E se eu for aí na sua casa pra gente ver o dia nascer do telhado e você me perdoar sinceramente de todo seu coração e a gente se beijar igual naqueles filmes ingleses quando o príncipe descobre que...
— Lowis, eu mudei.
— Eu sei, olha só pra você está tão madura e...
— Não, não nesse sentido. Eu mudei de casa, aluguei um apartamento, arranjei um emprego.
— Sério? meu Deus, o que mais eu não sei da sua vida?
— Adotei um gato.
— Não me diga que é preto?
— Cinza.
— Ufa.
— Tá legal, é preto.
— Sabia!Nós rimos. E naquele momento, eu soube que, parte de mim, sempre o amaria, de um jeito forte e ardente.
— Vai me passar seu novo endereço? — ele perguntou animado.
— Provavelmente não.
— Direta, ok.
— É meu novo lugar secreto, um esconderijo. Nem Greggory e Clair sabem.
— Por quê?
— Odeio atender a porta.
— Ah, que desculpa mais idiota.
— Você gosta? — perguntei, mas logo lembrei que provavelmente ele nunca teria atendido uma porta antes, e mudei de assunto. — Desculpe atrapalhar o seu sono.
— Se você visse o tamanho do sorriso que eu abri ao ler seu nome na tela do meu celular nem falaria isso.
— eu sorri. — Mas de todo jeito, eu acordei você.
— Sim, e se não for incomodo, pode me acordar amanhã de novo? é que eu tenho um remédio pra tomar.
— Um remédio, hein?
— Pois é.Ficamos alguns segundos em silêncio, só escutando nossas respirações, e pra mim, já era o suficiente.
De repente, ele quebrou todo o clima da noite, e quando falou;
— Se ele estivesse vivo, teria ligado pra mim mesmo assim?eu entendi imediatamente, e meditei nisso.
— Desculpa. — ele pediu quando percebeu meu silêncio atípico.
— Não, tudo bem. Eu só, não me sinto estável pra falar disso, ainda dói tanto.
— Você não podia fazer nada.
— Como... como, Lowis, você sabe da história?
— Sim. — ele disse devagar, e com cautela. — Clair me contou quando eu insisti a manhã inteira na escola e caramba, você está se saindo tão bem, eu te admiro tanto, sua força, tudo.eu mais uma vez não soube o que dizer.
— Carrie? — ele quebrou meu silêncio pela segunda vez.
— Ah hã?
— Eu queria poder ajudar. Eu sei que é meio sem nexo dizer isso depois de tudo, mas por favor, me deixe fazer isso.
— Me ajudar?
— Sim. Em qualquer coisa, em uma crise, ou medo, eu não sei, só me deixe estar presente, e compensar por toda baderna causada.
— Você acha que pode consertar tudo, desse jeito?
— Não, claro que não, ninguém pode. Aconteceu, temos que conviver com isso. Só que eu acho, que, do mesmo jeito que eu consegui destruir seu coração, eu posso concerta-lo, no seu tempo.
— E porque acha isso?
— Porque... porque... — ele inspirou fundo. — Porque eu te amo.
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Minhas Marés
Romance[COMPLETO] Com uma vida fora dos trilhos, Carrie entra em depressão. A falta do carinho dos pais afeta sua rotina, mas quando conhece Lowis e se apaixona mais rápido do que imaginou, enxerga a felicidade perto. Contudo, quando a doença começa causa...