Knocking At The Door

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"Eu não sou quem você pensa que eu sou;

Eu não sou quem eu penso que sou;

Eu sou quem eu penso que você pensa que eu sou."

- Charles Cooley.

    A natureza humana e natureza animal são espelhadas e quase idênticas, enquanto grandes filósofos e intelectuais se dizem acima da média comum de inteligência, desenvolvidos demais para que o restante de sua própria espécie possa compreender, existem também aqueles que compreendem a vida em todos os seus aspectos. Brutalidade, a dor do nascimento, frieza, a calma de um predador à espreita, autoconhecimento de sua existência, os objetos a sua volta e o tempo, como uma constante imutável. O que existe apenas existe, sempre vai existir mesmo depois de morto, porque ninguém pode mudar o passado ou o futuro quando o presente já foi escrito. É lógico e simples, mesmo sendo de uma complexidade paranoica, uma presença estará sempre marcada e jamais completamente esquecida.

    Foi uma noite terrível, Clarke com seus pesadelos, acordando aos gritos querendo saber onde estava, se esquecendo completamente do mundo real e chorando por longos minutos. Lexa se odiando mais e mais por não conseguir dizer nada além de "eu sinto muito" e não abandonando o quarto mesmo quando sua esposa lhe empurrou para longe. Negando suas palavras, lhe acertando golpes, gritando pela filha e dizendo desesperada que queria voltar, implorando que a colocassem na ilusão e a deixassem lá. Para sempre. Ela finalmente adormeceu depois de uma hora, a comandante sendo afastada e obrigada a ouvir seu choro sem chegar perto demais, o balbuciar de uma criança pequena e a lembrança de dedos minúsculos apertando o seu durante a noite. Bolos de aniversário, sorvetes e tardes na beira da piscina. A direita, na falsa janela, a chuva castigava um campo de grama verde, gotas escorrendo pelo vidro, vento sacudindo a vegetação enquanto ela se lembrava das noites mal dormidas que tanto lhe faziam falta. Sentada no chão frio, braços abraçando os joelhos e cabeça cansada para a gravação. Tinha medo de adormecer, do que podia sonhar, apenas assistiu a vista digital por um tempo. Aquela foi a primeira vez que odiou a chuva, implorando pelo próximo dia e um único minuto de silêncio.

    Olhos cansados para os raios do sol em seu brilho acanhado para o lado de dentro, o céu azul completamente sem nuvens. Se levantou com um dolorido sopro, engoliu em seco e buscou sentar na lateral da cama, pernas largadas para frente, olhos encarando os dedos enquanto a luz aos poucos se intensificava. Coração se partindo no peito quando reconheceu o tom desbotado de laranja que assistiu no quintal da mansão por anos, sabia exatamente como deveria ser. Se lembrava do encontro no ponto mais alto em Polis, de cada constelação que contou com Aden na varanda da torre. Como não pode ter percebido a diferença? Como não viu algo tão óbvio?

    Clarke abriu os olhos silenciosamente, cabeça doendo, corpo moído e cansaço. A dor de seu abdômen latejando enquanto observava a esposa, curvada logo ao lado de suas pernas e girando a aliança de casamento nervosamente, uma pequena gota despencando da lateral escondida de seu rosto e encontrando a camisa. Os olhos verdes, tristes e cansados, um tanto vermelhos pela longa noite. O sopro trêmulo que escapou de sua garganta trouxe uma silenciosa gota ao rosto da loira, escorrendo por seu nariz e caindo sobre a cama.

    Lexa se levantou, segurou o topo da cabeça e seguiu em direção a outra ponta do cômodo. Cabeça descansando contra a parede gelada, uma batida suave de sua testa na estrutura, o ruído rouco da garganta e o tremer de seus ombros fazendo Clarke fechar os olhos e repudiar ainda mais o mundo a sua volta. Lentamente se virou, ajeitou a cabeça sobre o travesseiro gelado e a viu caminhar de um lado para o outro, mãos apertadas aos lábios, sufocando as mágoas e se mantendo calada o máximo que podia. Priorizando a quem amava sobre sua própria existência, como sempre fez. Era doloroso e profundo, perturbador demais para assistir, fechou os olhos mais uma vez e acabou adormecendo.

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