Waverly e Wynonna não estavam mais na superfície, para as Earps cenários diferentes se faziam realidade. Para a mais velha das irmãs uma distorcida e sangrenta mansão, a mesma de Adam, carne e tripas para todos os lados, esguichos de sangue quente servindo copos. Era o suficiente para pensar que havia morrido e viajado direto para o inferno, vendo e revendo memórias que não eram dela, como as de seu pai e dos que vieram antes dele até Lucas. Ela entendia um pouco mais de Lexa agora, sua raiva, sua tendência ao assassinato e profano aos olhos da sociedade, se tornou mais fácil digerir todos os seus pecados, entretanto a fome por sangue e carne crua era algo que nunca seria capaz de aceitar. Sua linhagem era pura, porém não tanto quanto a da Comandante.
Waverly, do outro lado, se viu em um grande pátio de muros e chão de concreto com fileiras de cadeiras vazias até o grande portão de ferro avermelhado, o céu nublado, tudo ao seu redor era contaminado por uma triste luz branca, levemente acinzentada parecida com poluição dos barcos a vapor que cobriu Londres por tanto tempo. Estava em um palanque, atrás de seu corpo duas portas de madeira lustrada e subindo as paredes cobertas por raízes amareladas e secas uma grande muralha que escondia lugar algum. Ela se sentiu presa, seu interior dizia que não era certo se sentar em uma das cadeiras, aqueles lugares pertenciam a outros, estava assustada e ficar no lugar mais alto daquele ambiente estranho a deixava desconfortavelmente exposta. As portas atrás de suas costas se abriram em um solavanco ruidoso, ela virou com pressa e engoliu em seco quando duas fileiras de crianças, pequenas, não deveriam ter mais de dez anos, todas em roupas formais em preto e branco, sem personalidade, cabelos penteados, roupas passadas, sapatos de solado de madeira estalando no concreto a caminho dos degraus laterais, seguiram pela direita e esquerda, uma linha para meninos e outra para meninas, elas seguiram em uma marcha coordenada e se nivelaram as longas fileiras de cadeiras, dezenas, até todos tomarem seus lugares ao mesmo tempo e se viraram para seu rosto. Esperando.
- Esse é o meu pior pesadelo... - Waverly murmurou para si mesma e virou com o som das portas se fechando atrás de suas costas.
Um detalhe do qual não estava ali antes se fez presente, ela parou encarando o pequeno púlpito a sua direita, um livro aberto em longas linhas de letras cursivas, um minúsculo botão cinza na aba de madeira que mantinha o volume de capa preta em seu lugar. Ela engoliu em seco, levantou os olhos para a multidão de crianças mais uma vez e parou diante do púlpito, um piscar de olhos e ela não estava mais perto da lateral do pequeno palanque, mas em seu centro, as paredes subiram, o pátio se estreitou e o dobro dos olhares se voltaram para sua presença. Ela agarrou as laterais de madeira áspera sentindo um horror tremendo em seu peito, as crianças não tinham rostos, narizes, boca ou sobrancelhas, apenas uma uniforme e limpa tira de carne sangrenta, ralada, onde deveriam existir seus olhos haviam rasos buracos fechados. Ela entendia, Bulshar não dava lugar a eles no mundo que pretendia criar, não tinham identidade, não tinham opinião, não tinham vida. Eram instrumentos, meios a um fim.
Seus dedos tremeram, coração acelerou, a palidez se fez presente e as letras no livro se misturaram como folhas carregadas pelo rio. Ela partiu os lábios, o sopro que saia de sua garganta era quente, medo paralisava as pernas e a prendia no lugar. A voz em seu interior lhe ordenava a ler e sabia que era errado, tentou se controlar, o medo crescendo e crescendo, ela temia o que podia acontecer com os outros, com Nicole -quem deixou sangrando no interior de uma cela suja sem qualquer chance de escapar-, ergueu o olhar para a multidão, expressões vazias, o mundo falso trepidando diante de sua angustia, cores desbotando, ansiedade subindo. Não podia pensar, tinha a sensação de que alguém se escondia atrás de suas costas, onde não conseguia se virar para enxergar.
Ela lutou, sua mão direita se ergueu em um único ato apressado e impulsivo, o livro foi empurrado para fora do púlpito e caiu ao chão, ela o encarou sobre o concreto, palavras escorrendo para longe das páginas, sangue manchando o solo e se estreitando entre as fendas de seus quadrados. Avançando, deslizando depressa demais, pintando todo o palanque de pedra, o púlpito foi ocupado mais uma vez, agora por uma máscara de seu próprio rosto, feita em pele e carne ensanguentada. Waverly fechou os olhos se sentindo forçada a ergue-la, se imaginou como as outras crianças, sem valor, sem identidade, sem lugar, o corpo tremeu em medo, frio subindo por suas pernas, sangue se tornou raízes e delas unhas se cravaram na carne, ela não podia se mexer enquanto gritava em dor aguda. Ficou presa ali, lágrimas desceram dos olhos, ela encarou o céu branco tentando não enxergar qualquer detalhe do que viu ao seu redor, mas os muros ainda ocupavam os cantos de sua visão, ela ainda se lembrava da dor, do ódio tão profundo, o botão continuava ali para ser apertado.
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FINITUS
FanfictionTudo levou àquilo. As perdas, as derrotas, amarguras e feridas. Manhãs calmas se tornaram em caos no campo de batalha, o brilho das estrelas em fagulhas vindas de uma explosão. Um sorriso puro foi uma breve despedida, desde o primeiro nome escrito n...