Shopping For Bruises

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Ansiedade é um monstro obscuro, magricela de costelas protuberantes sob uma pele pútrida, curvado ao esgueirar pelas esquinas da mente, eu o imagino de dedos longos, unhas grossas e pontiagudas, se agarrando em minhas costas e me atrasando em tudo o que posso pensar em fazer. Pesando em meus ombros, em meu interior, seu toque é gelado, paralisante e torturador, te faz sentir como ser recusado em algo que sempre foi capaz desde o dia em que nasceu, algo parecido com não ter força, com ser insuficiente em todas as maneiras, impossível de melhorar sozinho, incapaz de pedir ajuda, e nunca, mesmo evoluindo, de fato se tornar o que sempre queria. É o medo em sua mais fria natureza, é o sentimento mais sombrio do abandono, da solidão, é a calma insanidade em ondas tempestuosas de um mar congelado até a última gota. É o pânico, o medo da morte.

Quando o sentimento chega, ele te engole por inteiro, suga seu interior, drena, tudo ao redor é sua existência, nada escapa do que lhe envolve. Nada é mais tão bonito como era antes, é apenas assustador, o mundo vira do avesso e você tem razão ao acreditar que está do lado contrário, do lado errado da realidade. Quando desaparece, não resta nada, sua força foi embora, sua felicidade é substituída pela vergonha da tamanha exposição que é perder para si mesmo. É quando você realmente está sozinho, sem nada em seu interior além da perda de mais uma parte que lhe definia, é como se alguém morresse de verdade, e quando aquilo também passa, a vida segue em frente, o mundo continua virando e virando em diante. Como um tubarão, sempre em frente, se um dia o planeta parasse de girar tudo morreria. E morrer era algo que não estava nos meus planos para aquele dia, eu tinha que voltar para minha família. Custe o que custar.

Enquanto meus olhos enxergavam o mundo através de óculos holográficos eu ouvia coisas pelos lados, me lembrei do que não reconhecia, simples detalhes como folhas de cerejeira, brancas como leite chovendo sobre um lago a norte do mundo, não sei exatamente onde, mas posso sentir o cheiro de grama cortada, ouvir o moedor manual de café e sua pedra pesada, o zunido de moscas perto do cercado de porcos, o mugido de vacas leiteiras na relva e o palpitar diante da quase indescritível melodia de pássaros de aço na primeira grande guerra, cortando o ar como cães de combate em busca de um osso humano para roer. Eu não estava ali de verdade, não via aquilo, mas ouvia os camponeses gritando em uma língua enrolada e desconhecida a mim, a pressa de crianças assustadas atravessando o verde seco em uma linha reta, tropeçando em raízes, caindo sobre pedras brancas para ralar os joelhos e manchar seus vestidos rodados e calças de barras largas e curtas. O cheiro de tabaco barato, o rastro de fumaça em canos apontados e a morte, vacas brancas sujam-se de respingos vermelhos, soldados gastam suas balas, os homens da vila já há muito mortos, mulheres estupradas e largadas aos próximos das longas filas. Não havia humanidade ali e eu era parte dos que caçavam fugitivos na base da colina.

A cada vez que um sobrevivente era abatido entre os arbustos e troncos de árvore e caía morto com buracos na carne de suas costas, eu ouvia o suave gotejar de água, escorrendo pela calha do celeiro para cair dentro do balde fresco de leite recém ordenhado, batendo na lateral suja do metal meio surrado e enferrujado, quando um homem de pele manchada em feridas abertas, hematomas cortados a golpes e dentes quebrados se virou com terra nas dobras dos dedos da mão, tremendo em horror, eu apertei o gatilho sem mesmo lhe dar tempo para implorar. O estalo silenciou sua vida para sempre.

- Guaxinim... – Anya falou do outro lado do batente da porta de vidro, a escuridão caia sobre a cidade, o interior do Shopping mais se parecia com um filme de terror. – Guaxinim, o chamado é seu.

- Eu sei... – Assenti rapidamente, umedecendo meus lábios, suor escorria por debaixo do capacete até meu rosto.

- Está tudo bem? – Jake apertou meu ombro esquerdo suavemente, a dor em seu simples toque me fez prensar os lábios. – Lexa...

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