Capítulo 38

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Gabriella

Entro correndo em casa e ouço os passos acelerados do Matteo atrás de mim. Minha respiração trava quando vejo Sônia com o rosto ensanguentado e minha mãe encolhida ao pé da escada, segurando um porta-retrato junto ao peito.

-  O que aconteceu? - questiono.

- Ela estava dormindo. - Sônia diz baixo e assustada - Eu estava assistindo televisão, Gabriella.

- Minha mãe atacou você? - pergunto triste e ela assente, transformando toda a cena em um filme horrível.

- Mãe. - caminho devagar e me aproximo sem fazer barulho.

- Ela invadiu a nossa casa, filha. - murmura - Queria levar a nossa foto. - minha mãe balança a cabeça, como se para espantar os pensamentos ou para organizá-los, não sei - Não pude deixar. Não pude. - sussurra e pressiona mais o objeto em suas mãos, apertando fortemente contra o próprio corpo.

Sento ao seu lado e percebo quando Matteo acompanha Sônia, que se distância, indo em direção ao banheiro.

-  Ela é nossa amiga. - comento e me arrasto no degrau, ficando mais perto  - Todos os dias a senhora fica aqui com ela. - minhas palavras são calmas e pacientes, enquanto por dentro o meu coração se estilhaça um pouco mais, transformando a calmaria em um fogo de revolta e tristeza.

Por que coisas ruins acontecem com pessoas boas, meu Deus?

- Quero me deitar. - diz confusa - Não deixe mais essa mulher vir para a nossa casa, não confio nela.

Ouvir essa verdade que só ela acredita, como se estivesse tão certa do que está dizendo, falando com confiança, faz uma onda de dor se alastrar pela minha mente com uma única certeza. Avassaladora e cruel.

Minha mãe não vai voltar. Ela nunca mais vai ter uma vida normal e eu não posso fazer nada sobre isso.

Fecho os olhos quando sinto seu abraço e me deixo acreditar, pelo menos nesse instante, que isso não está acontecendo. Estou ciente da sua piora, mas não quero aceitar que seja assim tão rápida.

- Eu te amo. - digo com a voz embargada.

- Eu também te amo, pequena. - responde de volta e aproveito esse carinho. Aproveito o som disso e permito que esse amor percorra meu corpo, acendendo uma chama única que nunca irá se apagar. 

- A senhora está machucada? - pergunto.

- Não, querida. - ela se afasta e sua mão volta a segurar o porta-retrato que estava caído ao seu lado, repetindo o movimento anterior, abraçando-o com força.

Sonia retorna e maneia a cabeça para mim ao passar por nós, saindo em silêncio e me inundando de culpa. O sangue do seu rosto foi limpo, mas a sua camisa estava manchada com gotas vermelhas.
Coitada.

Preciso visitar aqueles clínicas de repouso com urgência e infelizmente, com a alma partida e um buraco enorme no coração, terei que decidir em qual delas minha mãe vai ficar.

Ela poderia ter se ferido.
Merda.
Ela feriu uma pessoa.
Uma pessoa próxima.
Isso não pode acontecer mais.
Ela precisa de ajuda profissional o quanto antes e essa certeza me destrói, porque não imagino minha vida com ela tão distante.

- O que ele está fazendo aqui? - o tom alto da voz da minha mãe interrompe o silencio da minha mente e seus braços me empurram violentamente. Fico surpresa pelo ódio estampando no seu rosto e fico em pé na mesma hora- Conheço você. - ela grita e se levanta com uma velocidade que não demonstrava há meses, apontando seu dedo diretamente para Matteo.

Ele empalidece e não consigo distinguir se é medo pela atitude da minha mãe ou alguma outra coisa. Ele a encara demoradamente e se vira para mim,  com seu olhar surpreso ou talvez amedrontado. A expressão dela brilha com uma raiva que eu desconhecia e não sei até que ponto isso é apenas uma alucinação ou se realmente é alguma lembrança antiga, o que não faz o menor sentido.

- É melhor eu ir embora, foguinho. - diz - Pode me ligar se precisar de algo. - comenta e se despede, saindo da minha casa tão rapidamente quanto entrou.

MATTEO  Uma noite * livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora