MATTEO Uma noite * livro 2

Capítulo 58

Matteo

Quando estava preso, sem qualquer tipo de esperança me rondando, nunca pensei ser possível ser resgatado de tantas maneiras. Olhando para trás, para exatamente cinco meses, não havia propósito na minha vida. Porra, eu só queria morrer. Só queria acabar com todo aquele sofrimento e deixar de respirar apenas para encontrar alguma paz.

Esse era meu maldito pedido todas as noites. Principalmente, quando a fome era maior que tudo ou quando o frio parecia congelar meus ossos. Nesses momentos, eu queria morrer. Porque é um tipo de dor que não se pode lidar. Não dá para simplesmente esquecer a sua barriga roncando ou a sua boca tão seca, desesperada por água. Essa era, sem dúvida, a pior parte.

 A solidão não era tão ruim, tinha aprendido a conviver com ela, seria melhor estar sozinho do que na presença de Francisco. As coisas ficavam intensas quando aquele traidor aparecia.

Além do ódio que fazia meu corpo quase entrar em combustão e gastar o resto de energia que ainda tinha tentando alcançá-lo em vão, com a corrente presa ao meu pescoço, cortando camadas na minha pele, ela me trazia a certeza que ainda estava vivo. Cada segundo de agonia e raiva era fodidamente minha realidade e isso me deixava louco, porque eu não imaginava uma saída. Não poderia permitir ter esse tipo se sonho, porque não haveria livramento. Não para mim. 

 Foi um tormento que não acreditei ter um fim. Ainda bem que estava errado.

Enquanto giro o copo lentamente, balançando o whisky e o observando se mover, fico perdido nesses pensamentos. Minha mente vagueia pelo passado e por mais que os pesadelos durante o sono não me acordem mais, não consigo me livrar das lembranças. Vez ou outra elas aparecem e inundam a minha cabeça, não pedem permissão, apenas arrastam tudo para um canto sombrio, como um tsunami sem controle, elas destroem o que estiver pelo caminho e por um instante, fico na escuridão novamente. O lugar que jurei nunca mais voltar.

Como posso contar a Gabriella essa parte da minha vida? A parte em que seu pai, por um longo tempo, quase me destruiu? 

Não sei como serei capaz de expor tudo isso.

Não quero pensar na possibilidade disso nos afastar, porque é o que pode acontecer. É exatamente o que pode acontecer, quando eu confessar a razão da minha aproximação, mas ela merece saber a verdade. Diabos, eu preciso tirar esse peso dos meus ombros, essa omissão tem que ser revelada. Quanto mais cedo isso chegar até minha garota, maior pode ser a minha chance de não perdê-la.

Quando a encaro, com seus olhos doces me observando de volta, tão inocente e tão linda, sinto minha alma rasgar ao meio. É uma sensação de merda manter essa mentira, com essa culpa me corroendo. Como posso aceitar seu coração, se de fato ela nem sabe para quem está entregando? 

Entorno o restante da bebida e fico em pé. Ando de um lado para o outro no escritório avaliando o que preciso fazer primeiro. Qual atitude deve ser a mais certa e que cause menos impacto agora. Meu irmão chega em algumas horas e preciso estar inteiro por ele e Deus sabe que Gabriella merece uns dias de folga de tantos problemas.

A verdade vai ter que esperar alguns dias, mas existe uma coisa que posso tentar entender hoje. 

Saio apressado de casa, sem soldados, sem ninguém.

Estou acompanhado apenas do turbilhão que rodeia minha cabeça, que incendeia cada parte do meu corpo desde que tive a certeza daquele sentimento brotando em mim, como uma raiz forte, prendendo tudo ao redor.

Não posso perder você, querida.

Estaciono a duas quadras de distância e caminho até ela. Seus cabelos são tão inconfundíveis, que a encontro facilmente.

— Estava pensando em quando viria. — comenta confiante, mas com o semblante amarrado. Nenhum sorriso, nenhum resquício dele. É como se todas as memórias antigas tivessem sido arrancadas da sua mente para sempre, deixando apenas as ruins.

— Oi, Sandra. — murmuro e arrasto uma cadeira lentamente, sentando ao seu lado e cruzando a perna.