Capítulo 59

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Matteo

Não a culpo por se envolver com aquele desgraçado e nem deveria, isso não é da minha maldita conta. Sem isso, não conheceria minha garota. Sandra me fazia feliz, estar com ela na infância foi especial para mim, mesmo que por pouco tempo. A doença dela pode ter levado embora essas lembranças, pode ter transformado esses momentos em cinzas, deixando queimando na sua memória apenas as partes ruins e eu sei que elas existem.

Posso perceber isso ao observar seus dedos apertando firmemente a cadeira e a sua mandíbula travada, cerrada com tanta força, que faz uma veia saltar no seu pescoço. Ela me despreza, mas estava me esperando. Por quê?

— Por que pensou que eu viria? — questiono curioso. Minha voz soa calma e paciente, preciso ter cuidado. Não seria bom para nenhum de nós se ela se exaltasse como naquela vez em sua casa.

O silêncio que se instala entre nós é sufocante, seu olhar continua fixado para o oceano, sem se mover, sem sorrir, apenas quieta e perdida em seus próprios pensamentos. 

Não forço, não me adianto, apenas espero o momento em que ela queira começar. Essa história é dela e estou aqui para ouvi-la.

— Ele tentou me fazer abortar minha menina. — diz baixo demais e preciso puxar a cadeira um pouco para mais perto. Sandra acompanha meu movimento, mas ainda não me encara — Tentei fugir. — comenta.

— Sinto muito. — interrompo e ela ignora.

— Então tive a minha lição. — seu timbre engrossa, segurando a emoção forte que a atinge — Aquele homem quase matou minha filha. — abaixo a cabeça e ouço suas palavras com atenção — Fiquei alguns dias internada, estava muito machucada. — viro lentamente e vejo quando uma lágrima escorre pelo seu rosto envelhecido, mas ainda assim, bonito como antes.

— Não posso imaginar tamanho sofrimento, Sandra. Sinto muito mesmo. — murmuro para não assustá-la, pois nesse instante, seus olhos estão fechados e conheço essa sua expressão muito bem, porque é a mesma que sinto quando o passado se torna pesado demais. 

— Não queria o dinheiro dele. — diz enojada — Eu estava apaixonada sim, mas pela criança no meu ventre e não por aquele demônio. 

— O que aconteceu? — pergunto.

— Meu sentimento por ele tinha acabado no momento em que mandou seus soldados até mim. — declara simplesmente e se cala. Esse traidor nunca teve soldados. Ele era um. — Tentei nos esconder, mas ele tinha encontrado a gente.

— O que ele fez? — pergunto meio amedrontado, não sei se quero mesmo saber.

— Queria conhecê-la a todo custo quando nasceu, mas fui dura. Comprei até uma arma. — declara orgulhosa. Santo Deus — Ele nunca mais apareceu depois daquele dia. Era um covarde quando estava sozinho.

Sei bem disso.

— Meu pai disse que era próxima da minha mãe. — comento.

— Sim, ela era uma pessoa iluminada. — um sorriso pequeno se insinua, mas Sandra rapidamente o esconde — Não me arrependo de afastá-la da minha vida. — confessa firme — Queria Gabriella longe disso tudo, mesmo que tenha perdido uma amiga nesse caminho.

— Posso entender o motivo. — continuo — Por isso agiu daquela forma quando me viu? — ela assente, mas ainda não me olha, como se não conseguisse.

— Pensei que estava envolvido com Francisco. — diz — Não queria aceitar que esse inferno iria voltar para nós, mas eu estava enganada.

— Como assim? — retruco confuso.

— No início não me recordava de você, fazia tanto tempo ... — suas mãos se soltam da cadeira e ela se ajeita no assento — Quando estava parado na sala da minha casa, com aquela postura firme e superior, pensei que pertencia a Máfia. São todos parecidos. — comenta envergonhada.

— Mas pertenço. — completo. Tentei escapar disso também, mas o resultado não foi muito agradável.

— Eu sei. Te reconheci pelos olhos. — suspira profundamente e move seu corpo, ficando com os olhos em mim pela primeira vez — Lembrei de você.

— Por que me expulsou, então? — indago e sinto uma tristeza assolar meu peito. 

— Não seria certo você ficar. — diz — Não naquela situação.

— Não consigo entender. — digo.

— Quando vocês chegaram, percebi que a Gabriella não sabia nada sobre isso.

— Contei a ela sobre a Cosa Nostra. 

— Mas não contou sobre o pai dela, não é? — ela arqueia a sobrancelha e me sinto intimidado. Como se eu fosse uma criança novamente sendo repreendida.

— Não. — admito — Mas como poderia saber que eu tinha conhecimento de quem ela era filha? — pergunto.

— Vocês mafiosos sabem de tudo. — diz — Por isso imaginei ser algum plano daquele fariseu. — seguro o riso com toda a minha força e ela continua —  Quando vi a sua preocupação com a minha pequena naquela noite, desesperado por ajudar de algum jeito, reconheci o seu coração e a bondade nele. — fala — E a escuridão no seu olhar também, mesmo tentando esconder, eu vi. Só uma pessoa que já sofreu duramente, consegue reconhecer outra. 

— Gabriella é importante para mim. — digo sério. — E não existe uma aliança nem nada do tipo com aquele velho, fique tranquila. — puxo o ar e volto a dizer  — Ele está morto e por tantas razões que você nem acreditaria. — vejo quando prende o fôlego e uma emoção passa por seu olhos, mas para a minha surpresa, Sandra sorri carinhosamente e me observa.

— Você a ama. — confirma e assinto na mesma hora.

— Tanto quanto se é possível. — seu sorriso fica maior e meu coração parece explodir.

— Sei que estou aqui por sua causa, não temos dinheiro para um lugar como esse.

— Existe a riqueza do Francisco e por direito é dela. — digo e Sandra balança a cabeça negativamente sem parar — Estou me preparando para dizer toda a verdade para ela e isso faz parte.  — esclareço.

— Esse dinheiro é sujo. — retruca.

— O cheque que a minha mãe te deu também, mas a senhora comprou uma casa e pagou a faculdade da sua filha, certo? — ela confirma envergonhada — Então não tire a oportunidade da Gabriella de ter uma vida melhor. O dinheiro ser sujo, não significa que o destino dele também vai ser.

Suas mãos viajam até seu colo e nenhum som é feito por um longo tempo. Estico a perna e me arrumo na cadeira, observando o oceano infinito a nossa frente.

— Gabriella tem sorte por você estar na vida dela. — profere sorrindo e sinto aquelas palavras percorrem cada fibra do meu corpo, levando embora mais um pouco da escuridão.

— A sorte é toda minha. — digo e sorrio de volta. Uma sorte grande do caralho.

MATTEO  Uma noite * livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora