Capítulo 48

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Gabriella

— Mãe. — digo receosa — A senhora está se sentindo bem aqui? O que achou?

Seus olhos percorrem o lugar outra vez e ela sorri. Um sorriso que diminui um pouco o aperto no meu peito e me tranquiliza mais.

— É lindo. — diz — Olha essa paisagem, Gabriella. —  sua voz aumenta um tom e posso sentir a animação reverberando em cada palavra que sai da sua boca.

— Vai ter muita inspiração para os seus quadros, não é? — pergunto e seguro sua mão — Pode fazer um para mim?

— Não seja boba. — comenta achando graça — Todos os que eu faço sempre são para você. — sinto as lágrimas embaçarem a minha visão de novo. Quanto um ser humano pode chorar sem se desidratar, céus? Meu coração se aquece absurdamente, um calor preenchido por um amor tão forte e sem tamanho, que será dela para sempre.

— Eu te amo tanto. — declaro — Vou sentir sua falta o tempo todo.

— Eu te amo mais. Sentirei saudade também, pequena.

— Todos os dias venho te visitar. — prometo e a cada segundo em que a despedida chega mais perto, mais minha mente se anestesia. Como se isso não passasse de um sonho, um maldito pesadelo, na verdade.

— Vou esperar. — avisa.

Desde que chegamos pela manhã, ela se encantou por tudo. Não a vejo tão eufórica assim há anos, parece ter até rejuvenescido apenas por estar aqui. Por estar feliz assim. Isso ou está me enganando muito bem.

Seu olhar ganhou um brilho diferente, não consigo decifrar, mas é bom. A alegria que eles transmitem, enche meu espírito de paz. É uma coisa tão ingênua e crua, parece divina.

— A senhora gostou mesmo daqui? — questiono preocupada.

— Não vou mentir dizendo que era tudo o que eu queria. — uma leve tristeza passa tão rapidamente pelo seu semblante, que me sinto culpada e nem sei, ao certo, o motivo — Não queria ter essa doença e me separar de você. — diz pausadamente, como se tivesse buscando palavras e com medo de dizê-las errado.

E ouvir essa confissão pela primeira vez, exatamente nesse momento, nessa ocasião, faz meu coração pulsar de um jeito estranho, como se a qualquer segundo fosse explodir.

— Mas Deus tem seus planos e são melhores que os nossos, então eu a aceito. — diz. Não entendo.

— Não sente raiva? — questiono.

— Da doença? — ela ri e assinto — Não, querida.

— Eu sinto. — digo firme — Sinto raiva por existir tantas pessoas ruins no mundo e que elas são saudáveis. Sinto mais raiva ainda, por ser uma doença que não tem cura.

— Eu te entendo. —  sorri carinhosamente e segura minha mão com força — Aproveite para aprender mais sobre si mesma agora e esqueça esse sentimento ruim.

Fácil assim, mas não posso tornar essa transição mais difícil do que é. Ela precisa que eu esteja forte e é isso que serei. Por ela.

— Tudo bem, mãe. — a puxo para um abraço e o aperto firme dos seus dedos nas minhas costas, indicam que essa pose toda de durona, tem suas rachaduras, não demonstra fraqueza, apenas a garra da sua alma maravilhosa. Até mesmo sofrendo, disfarça sua dor por mim.

Encosto minha cabeça em seu ombro e inalo o cheiro fraco do seu perfume. Minha garganta trava e seguro o choro, quando a pressão dessa situação estremece meu corpo.

Isso é o melhor para ela.

Afasto lentamente meus braços dela e a encaro.

— A senhora estará em meus pensamentos o tempo todo. — digo.

— Não, criança. — responde duramente e me assusto um pouco com o seu tom firme — Quero que você viva da melhor forma e não que fique apenas pensando nessa velha louca. — ela ri alto, mas não acho graça.

— Eu vivo. — interrompo.

— Nao vive. — argumenta — Acha que eu não percebo mesmo?

— O que está dizendo? — indago confusa.

— Você nunca sai, nunca se diverte, não tem namorado.

— Isso não significa que eu não viva, mãe. — respondo transtornada — Não me interessa essas coisas.

— Isso porque estava ocupada demais comigo. — fico em silêncio, porque ela tem razão. Só não quero que pense ser uma pedra no meu caminho, um obstáculo, porque não é — Prometa para mim, pequena.

— Prometer o que?

— Que quando sair por aquela porta hoje, vai ser uma mulher diferente.

— Gosto de quem eu sou. — digo brava.

— Eu também, mas as vezes, é preciso se reinventar. Faça isso. Faça coisas que nao podia antes, vá a lugares, se apaixone, viaje. Só invista na sua vida um pouco, nada me faria mais feliz.

— Vou tentar. — nada do que eu dissesse expressaria o que estou sentindo nesse momento, nada. Ela assente e se aproxima. Caminhamos lado a lado pelo pátio e fico tão próxima, tão perto dela, que poderíamos nos fundir.

— Fico preocupada com você, Gabriella.  — diz.

— Com o quê?

— Quando cuida de mim, quem cuida de você? — questiona.

— Tenho um anjo. — comento — E ele é  dos bons. — ela sorri para mim e congela sua expressão quando uma moça se aproxima.

— Está na hora, Sandra.

Ainda está muito cedo.

—  Já? — pergunto e sinto quando minhas mãos começam a tremer sem o meu controle — Posso ficar mais um pouco?

— Sinto muito, vamos servir o almoço agora e quanto mais sua mãe se entrosar, melhor. — ela me olha com dó e se afasta — Vou deixar se despedirem.

— Gabriella. — minha mãe me chama e  um zumbido toma conta dos meus ouvidos.

Ainda está muito cedo.

Sinto o calor do seu corpo, quando seus braços se cruzam ao meu redor.

— Vá embora e me deixe orgulhosa. — sua voz sai tão emotiva, que não preciso de mais para desmoronar novamente.

— Desculpa. — digo — Pareço um bebê chorão.

— Você sempre foi. Era um bebê insuportável. — ela sorri em meio às lágrimas e passo a mão por sua bochecha.

— Me ligue se precisar de qualquer coisa, a qualquer hora.

— Farei isso, querida.

— Estou falando sério. — confirmo.

— Sei disso. Agora vá. — Ela me abraça e sussurra —  Preciso fazer amigos e você está estragando fazendo essa cena toda. — sorrio e abraço mais forte.

— Eu te amo.

— Eu também, menina. Muito mesmo.

Recuo alguns passos e me viro. Ando rapidamente para não olhar para trás, porque se fizer isso, nao serei capaz de seguir adiante.
Isso é o melhor para ela e por mais que a cada passo, meu coração se dilarece um pouco mais, uma dor que parece me rasgar, fiz uma promessa a ela que pretendo cumprir.

MATTEO  Uma noite * livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora