Capítulo 77

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Gabriella

Seria o eufemismo do século afirmar que essa situação está controlável. 

Cada passo aumenta meu batimento e minhas mãos suam em ansiedade. O medo de ouvir mais alguma parte dessa história, alguma fração que faça tudo desmoronar de vez, é o que mais me assusta. Alguma coisa que tornaria esse caminho sem volta.

Uma disputa na minha cabeça, entre precisar saber tudo e continuar no escuro, é uma batalha perdida. Esse pensamento pode até parecer agradável nesse momento, ficar na ignorância parece bom para mim, mas até quando isso seria o certo?

Nem mesmo agora é.

Sou apenas uma covarde. 

Estou me afastando dele, mas estou com medo de que isso aconteça de fato.

Toda vez que meus olhos se perdem na sua beleza, encantada com o sorriso fácil e bonito ou no jeito como sempre tenta melhorar tudo, esquecendo das suas próprias dores, lembro do que o meu pai fez e do que ele suportou, e todos os outros problemas parecem menores. Minha própria dor parece diminuir. Não que seja possível balancear esse tipo de coisa, mas droga ... Matteo tem meu coração todo. Não posso ignorar seu sofrimento só porque o meu também existe. Sei que está sentindo a minha falta, porque também estou sentindo a dele.

Eu o conheci.
Conheci ele de verdade. Sem máscaras ou amarras. Pelo menos acredito que seja, porque ninguém é tão bom ator assim, pelo amor de Deus.

Meu coração reconheceu o dele. Simples assim. Sem explicações lógicas ou outra baboseira incompreensível.  Apenas uma verdade que nasceu no meu peito e criou raízes ao longo dos dias.

— Posso tirar a minha camisa e estender aqui para você não sentar na grama. — ele sorri e o sol clareia seus olhos. Tão bonito. Isso certamente não me ajudaria a pensar com clareza. Seria quase impossível manter qualquer coerência. 

— Melhor ficar vestido. — respondo e ele apoia os braços no joelho, se inclinando até seu rosto estar no nível do meu.

— Vamos começar então, foguinho. — seu sorriso se alarga e a covinha, tão tímida e surpreendente, sempre aparece em horas como essa. Confundido ainda mais o que já é uma bagunça.

— Sim. — digo apressada — Por favor. — posso ouvir seu riso baixo, deduzindo o meu pensamento e o quanto me afeta, mas ignoro essa pulsação que esse som me traz e fico firme.

Com os pés esticados e cruzados um sobre o outro, Matteo respira profundamente. Acompanho cada movimento dele, desde o seu maxilar travado até a tensão que seu pé inquieto, que mesmo sem espaço, encontra um jeito de balançar. 

— Por todos aqueles anos, o único contato que eu tinha com o mundo, eram das palavras que Francisco me trazia. Não seria idiota para acreditar no que dizia, mas não tinha muita opção. — ele dá de ombros e seu olhar fica perdido no horizonte, provavelmente revivendo toda a porcaria em que foi obrigado — Passei fome, frio, tive muito medo e desejei não estar vivo por noite demais que nem posso contar. Isso tudo acorrentado, como seu eu fosse um animal perigoso e não um ser humano.  —  levo as mãos a boca, chocada com tanta maldade e ele ri secamente, e o tom desesperado, relembrando tudo, me deixa com uma sensação de culpa, mesmo não tendo nenhuma, ainda assim, sinto minha garganta travando, quando a água enche meus olhos  —  Sentia muita ruiva de tudo o tempo todo. Não entendia porque ninguém me resgatava, porque tudo parecia dar certo para o velho, quando ele não merecia nada além de morte.

— Sinto muito. — interrompo e ele vira a cabeça, observando meus olhos tristemente, antes de continuar.

— Eu também, querida. — sua mão repouso na minha coxa e permito. Ele precisa disso e não posso deixá-lo voltar ao passado sozinho, então, seguro seus dedos com gentileza e aperto levemente. Estou com você. — Eu era humilhado constantemente, isso quando não era esquecido naquele galpão sujo e escuro ou acordado com um jato de água fria no meu corpo que não já era tão forte.

MATTEO  Uma noite * livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora