Capitulo 86

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Matteo

Um dia antes

Devo ter acabado com a garrafa de whisky.

Não sei. 

Eu estava tão concentrado de madrugada no escritório, tão preocupado com cada maldito detalhe, planejando tudo com o máximo de cuidado, que talvez meu organismo tenha ignorado a presença do álcool e tratado o líquido, simplesmente, como água, porque acordo algumas horas depois e estou livre daquele embrulho no estômago ou de qualquer dor de cabeça. 

Gabriella ainda está dormindo quando me arrasto até a ponta da cama, levantando silenciosamente. Seu corpo delicado está coberto pelo lençol e seus cabelos, uma fodida bagunça bonita espalhada pelo travesseiro alto. Seu braço está esticado para fora do colchão e seu semblante, tão suave e perfeito, faz meu coração se apertar. Olhar para a minha garota assim, tão inocente e tão envolvida nessa merda por minha causa, faz meus dentes quase estourarem de tão pressionado que fica meu maxilar. 

Respiro fundo e apenas a observo por um tempo, pedindo a Deus que a mantenha em segurança. Ele nunca me ouviu, então se eu rezar por ela, talvez funcione. Prefiro acreditar que sim.

Ando nas pontas dos pés até o armário do outro lado. Procuro por qualquer roupa preta, peças que me manteriam escondidos na escuridão. Preciso dessa discrição. Preciso ser como a porra de uma sombra quando escurecer. Invisível, mas implacável. Não pretendo ser morto, não quando minha vida acaba de começar. Isso não é nem um opção.

Como disse a Fillipo, essa é a última guerra contra Camorra e farei o que for necessário para voltar para casa, para voltar para ela.

Com as escovas de dentes em mãos e uma mochila nas costas, encosto a porta do quarto com cuidado. 

O barulho dos meus passos pelo corredor são quase inexistentes, desço as escadas e vou para o escritório outra vez. Meu pai está sentado na poltrona, folheando as páginas de um jornal, assim que seus olhos se erguem e encontram os meus, ele coloca o papel de lado e me encara.

— Estava esperando você. — comenta.

— Você não dorme? — pergunto e me agacho, puxando de dentro da bolsa uma blusa grossa escura e uma calça do mesmo tom.

— Não consegui descansar muito bem. — sinto sua mão pesada no meu ombro e viro a cabeça — Não quero perder você hoje, menino. — ele aperta os lábios, mas a emoção de suas palavras quase faz com que eu perca o equilíbrio.

Por muitos anos, acreditei não ser bom o bastante, não ser quem Fillipo gostaria. Sempre estive contra tudo, sempre me esquivando dos deveres da famiglia, tão mais interessado em livros e viagens, do que no meu próprio legado. Eu não era digno de ser considerado um filho de um Capo. Dele. Eu nem sequer tinha o seu respeito, mas tudo mudou quando a venda foi tirada da sua visão e quando a manipulação teve fim. Além da minha liberdade, ganhei também a sua admiração e isso é fodidamente importante. 

— Não vai. — seguro seus dedos com força e aceno — Vou voltar antes que sinta a minha falta. — sorrio, mas por dentro estou desesperado. Tenho tanta coisa boa esperando por mim agora, que não posso falhar. Posso até ter a alma condenada pelo o que estou prestes a fazer, mas se isso significa entregar a eles o maldito paraíso, não tenho no que pensar. A escolha é certa e clara.

— Os homens estão na rua aguardando há uma hora. — avisa e se levanta — Leve todos se for preciso, vou ficar de olho na menina para você. — continuo agachado, mas apenas por um segundo, porque no próximo, estou com os meus braços envolta do seu corpo, apertando com o máximo de força que possuo sem quebrar seus osso velhos — Eu te amo, bambino. 

MATTEO  Uma noite * livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora