Capítulo 8

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Gabriella

Passa aqui hoje, Gab?

Muito movimento, não vai dar
:(

Respondo minha amiga Luna e enfio o celular no bolso, vai ficar uma puta correria, porque a Bianca não veio hoje, o que significa que estou ferrada, muito ferrada, mas tudo bem, deveria ficar grata, na verdade.
Trabalho em dobro, gorjeta em dobro.

Coloco quatro pequenos copos em cima do balcão e despejo tequila em todos eles. Algumas gotas pulam fora, mas paciência, não tem como fazer milagre. As mulheres se aproximam com o limão na boca e viram a bebida rapidamente.

Às vezes gostaria de ser como elas. Não que elas não tenham problemas, é só que a vida parece ser mais fácil do lado de lá da bancada.

Há dois anos, minha mãe foi diagnosticada com Alzheimer, o governo não custeou o tratamento dela, disseram que como ela não tinha um emprego, não contribuía com impostos, o que a deixou sem esse direito. Ridículo.

Por que essa porcaria deveria ser mais importante que a saúde dela?  Não deveria, certo? Isso me irrita demais. Bando de idiotas.

Procurei tanto advogado nessa cidade e em outras também, que se existir uma lista das pessoas mais insistentes da Itália, meu nome vai estar nela. Não me importo de ter sido a chata, mas depois de receber tantos nãos, decidi que resolveria isso. Então comecei a trabalhar aqui no bar depois de sair do estágio a tarde. O dinheiro do estágio é muito pouco, serve apenas para alimentação e transporte, mas preciso dele. Vai me impulsionar para o que quero de verdade. Ser advogada e ajudar em casos como o dela. Vou ser a melhor.

A nossa casa é própria, herança dos meus avós, o que me traz um alivio do cacete. Não sei como lidaria com todo o custo que um aluguel traria e ainda somar o tratamento da minha mãe. Tem dias que ela parece tão bem, que me faz até esquecer dessa doença horrorosa e aproveitar cada segundo, mas nos dias ruins, choro embaixo do chuveiro para que ela não me ouça. Meu coração dói tanto, que a dor se torna física. Fico mal. 

Em algumas vezes, quando passo pela porta da cozinha e seu olhar se demora em mim, eu sei que ela sente medo, como se eu fosse uma estranha na sua casa. Essa é a parte em que meu coração estilhaça. A parte que a minha alma sofre em silêncio, porque sou sua filha e ela, por um breve momento, se esqueceu disso. 

Deixar ela sozinha é outro pedaço que me machuca, gostaria de poder estar ao seu lado o tempo todo, mas infelizmente, nossa realidade não é tão simples. Minha mãe sempre foi muito ativa na igreja, participava de tudo quanto era evento, o que rendeu boas amizades a ela. Graças a Deus por isso, porque desde que precisei de ajuda, suas amigas arrumaram um esquema de revezamento e sempre fazem companhia até pouco antes de eu chegar, o que me deixa mais em paz.

Assim que me formar, vou agradecer imensamente pela oportunidade e largar esse trabalho, meu foco vai ser dar uma vida melhor para nós. Não estou falando de conforto, mas de sossego.

- Pensando em mim? - ouço sua voz e me assusto. Estava tão absorta em meus pensamentos, que não o vi se aproximar.

- Tinha esquecido de você. - digo mentindo.

Os cem euros pagou a consulta da semana que vem. A terça que sempre folgo é por esse motivo, Matteo. É o dia em que sou totalmente dela, um dia a mais que pode fazê-la ser minha por um pouquinho mais de tempo. Ele não sabe disso, mas independente de qual tenha sido a sua intenção naquela noite, acabou fazendo um bem maior do que nós dois.

- Mentirosa. - levanto os olhos e o encontrando sorrindo. Não lembrava dele ser tão bonito.. e prepotente.

- Por que acha que estou mentindo? - questiono e ele se senta no banco na minha frente.

- Porque você sorriu.

- Sorri nada. - argumento indiferente. Até parece que fiz isso.

- Tudo bem. - comenta - Eu sei o que eu vi. - diz convencido e reviro os olhos. Ele tem problema.

- Vai querer alguma coisa? - pergunto.

- Sim, foguinho. Quero respostas. - ele leva os dedos até os lábios e me observa atentamente - Tenho algumas perguntas.

Foguinho, sério? Que original.

- Ah claro. - retruco me divertindo - Você tem bastante crédito. - faço menção a fortuna que me deu e o vejo apertar a ponta do nariz, parece até incomodado. Estranho e interessante.

- Por que precisa tanto do dinheiro daqui? - indaga sério - É para pagar a faculdade?

- Sim. - minto.

As mensalidades foram pagas no início das minhas aulas, todas elas. Questionei a minha mãe sobre isso, porque fui na secretaria e o nome dela estava lá como fiadora. Após gaguejar por meia hora, disse que não queria falar sobre isso. Fiquei tão brava, mas descobrimos sua doença logo depois e larguei esse assunto, não queria que ela se estressasse.

- Tá mentindo de novo. - diz.

O que?

- Não estou não. - digo firme. Que poder é esse? Misericórdia.

- Está sim, querida. - ele sorri abertamente e queria não ter reparado em como ele fica lindo assim. - Fiquei bom em farejar isso.

- Você não fala coisa com coisa. - murmuro e vou até a geladeira pegar algumas cervejas. Quando volto, uma mulher está com a mão em seu ombro e pisca tanto os cílios, que não seria mais óbvia, nem se escrevesse na testa. Ele percebe minha aproximação e a dispensa com maestria.

- Ela era um gata. - sussurro ao me apoiar na bancada para pegar alguns copos espalhados.

- Você é mais, querida. - eu não deveria, mas gostei do elogio. Quando não são safados e nojentos, algumas palavras como essa são gotosas de ouvir. Talvez eu tenha gostado mais porque saiu da boca dele e talvez, quem sabe, eu aceite suas investidas.

MATTEO  Uma noite * livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora