The defective twin

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Flashback
Portland, 1988

Era apenas mais um dia comum para a família Parker, pelo menos era o que aparentava.
Toda família havia saído para um passeio, era um dia de sábado e mesmo que Joshua odiasse sair de casa -de acordo com ele, os inimigos da Gemini estavam sempre prontos para acabar com sua família -ele concordou em sair naquele dia, mas havia uma condição... Kai não iria junto.

Sem novidades.
Kai Parker de 16 anos pensou consigo mesmo, na verdade, ele nem se importava mais com aquilo. Parecia uma ótima chance para ficar longe da sua família, ele se agarrava em seus momentos sozinho porque sabia que seriam mais doces do que os amargos momentos que tinha com seus pais e seus irmãos. Mas mesmo que ele tentasse não se importar, algumas palavras e questionamentos massacravam sua mente.

Por que eu sou tratado de forma diferente?
Por que eles nem sequer fingem que se importam?
Isso tudo é pelo simples fato de eu não ter magia própria?
Eram muitas perguntas e poucas respostas, respostas que ele sabia que provavelmente nunca receberia... Mas ultimamente Kai estava mais otimista, depois de ler vários livros as escondidas, finalmente tinha descoberto a sua espécie. Ele era um sifão, um tipo raro de bruxo que apenas conseguia canalizar magia, e talvez isso o ajudaria na fusão que faria daqui uns anos... Mas Kai se pegou pensando mais de uma vez o quanto ele adoraria conhecer alguém de sua mesma espécie.
Seria incrível.

Porém, não demorou muito para Kai se desprender de seus pensamentos e caminhar até a cozinha. Ele olhou para o fogão e se sentiu totalmente desencorajado em tentar cozinhar algo, então apenas abriu um dos armários e pegou um pacote de torresmos. Ele foi até a sala e ligou aquela TV que tinha um formato de um caixote -era a mais pura tecnologia da época- então, ele colocou o filme "O brinquedo assassino", o grande sucesso lançado naquele ano. Em seguida, Kai se sentou preguiçosamente no sofá, levando um torresmo até a boca e mantinha seu olhar fixo no filme.

...

Alguns minutos se passaram, em alguns momentos Kai não conseguia evitar a risada quando Chucky fazia alguma piada sarcástica durante seus assassinatos. É... Definitivamente Kai sempre pensou que nunca acharia alguém que se parecesse com ele, era impossível.
Mas sua atenção foi tomada quando ele ouviu o som da porta se abrindo, e via Josette entrar.

-E aí, mana -Kai cumprimenta sua gêmea sem desviar sua atenção do filme. -Voltou cedo.

-Oi, Kai... É, eu acabei ficando com dor de cabeça e o papai me mandou voltar para casa -ela colocava sua bolsa sobre uma escrivaninha de madeira, e se sentava na poltrona próxima ao sofá, fazendo uma cara de nojo ao ver o filme que Kai estava assistindo. -Sério? Esse filme? Como você acha graça em ver um boneco matando pessoas freneticamente?

Kai deu de ombros.

-Ele tem um ótimo senso de humor -ele comentou com um breve cinismo, mas ele realmente não entendia por que via tanta graça e tinha tanta curiosidade em ver aquela matança. -E também tem umas formas bem criativas de assassinato, ele acabou de matar um médico usando um desfibrilador até o coração queimar.

-Tá, isso é estranho -a irmã se levanta da poltrona e caminha em direção as escadas. -Mas hoje eu não tenho forças para julgar o seu gosto para filmes, acho que vou dormir um pouco.

Antes que Josette começasse a subir as escadas, Kai se levantou do sofá e a olhou.

-Eu posso conversar com você antes? É rápido -ele erguia as mãos em sinal de rendição, então deu um tapinha sobre um dos botões da TV quando Jo concordou com a cabeça. Kai tentou não demonstrar o nervosismo que sentia naquele momento, o que ele ia falar envolvia emoções e ele era péssimo com emoções, principalmente as dele mesmo. -Nós já temos 16 anos... Eu já tenho 16 anos, eu aprendi a controlar a minha magia, então tecnicamente eu não sou mais um risco pra ninguém, você sabe disso. Os nossos pais sempre ouvem tudo o que você diz, e eu preciso que você me ajude com isso.

-Mas como você quer ajuda, Kai? -ela pergunta de forma confusa, então ouve Kai com mais atenção e apoia sua mão sobre o corrimão da escada.

-Eu andei lendo alguns livros, eu sou um bruxo sifão, existiram outros da minha espécie mas parecem estar extintos hoje em dia -Kai ignorou o olhar surpreso de sua irmã e continuou a falar, sua voz saiu de forma séria ao contrário do comum. -Nós passamos a vida toda achando que a minha magia era algum tipo de deficiência, mas não é. Eu só sou de uma espécie diferente...

Ele fez uma breve pausa em sua fala e respirou fundo, ele não sabia como falar ou quais palavras usar. Por que a vida dele tinha que ser tão confusa e difícil? Esse tipo de conversa não era praticada em famílias saudáveis.

-Eu só preciso que você fale com eles, Jo... Quero que você convença eles a me deixar ser livre, eu não quero passar os próximos anos trancado só porque os nossos pais pensam que eu sou uma aberração, isso não é justo -sua voz acaba mostrando um sútil desespero. -Eu...

-Kai, eu não posso... -Jo o interrompe. Era visível o quanto ela estava confusa, confusa entre seus pensamentos e entre o que seus pais a ensinaram. -Tudo o que os nossos pais fazem é para a proteção...

-Proteção de quem, Josette? -Kai retrucou, sua voz bem mais impaciente e até mesmo incrédula ao ver que sua irmã não ia ajudar. -Não finge que eles querem proteger a nossa família, eles só querem proteger a Gemini... E o que a Gemini já fez por nós? Nada!

-Você é meu irmão, Kai... Mas eu não posso te ajudar com isso -ela encolheu os ombros de forma tensa. -Nós sabemos que os nossos pais estão certos, a sua espécie não é algo normal... Eu aceito isso, mas não posso agir como se fosse algo comum.

-Continua, Josette -ele deu uma risada irônica que não escondia nem um pouco a raiva que sentia agora. -Eu sei que você tá se segurando para não dizer que eu sou uma abominação. Mas é claro, por que você perderia o seu tempo falando com os nossos pais? Você sabe bem que quando discordar deles, você vai automaticamente perder o seu título de bruxinha boa e filha favorita.

-Já chega, Kai -ela diz alto. -Eu não posso ajudar, eu sinto muito. Mas você sabe que essa sua magia não é algo comum, infelizmente eu não posso te ajudar.

Kai sentiu vontade de rir, sabia que Jo não sentia. Mas o que realmente o fazia perder sua paciência era ver ela e o resto da família se auto intitulando boas pessoas, eram apenas lobos em peles de cordeiro. A irmã gêmea caminhou para poder ir até a escada, e Kai não conseguiu segurar seu impulso agressivo, ele a agarrou pelo braço de forma bruta o suficiente para impedi-la de andar.

-Um dia, você vai depender de mim pra alguma coisa, eu não faço ideia do que essa coisa vai ser, mas saiba que eu vou ferrar com você da mesma forma que você está fazendo agora -Kai falou entre um dentes com uma mistura de ódio e um pouco de sarcasmo. Sua mão se apertou contra o braço dela e ele absorveu um pouco de sua magia, apenas o suficiente para ela gemer de dor. -Eu sinto muito por isso. Mas você sabe, a minha magia não é comum.

Ele deixou suas últimas palavras com um claro cínismo, usando as palavras da irmã contra ela mesma. Logo os dois olharam para o lado ao ouvir o som de alguém abrindo a porta da frente.

-É por isso que os nossos pais dizem que você é uma aberração -ela revida com raiva e puxa seu braço para que Kai a solte, mas Jo logo sente remorso ao perceber o que falou. -Eu sinto muito...

Ela saiu em direção a cozinha e Kai saiu em direção ao seu quarto antes que qualquer pessoa da família pudesse o encontrar.
Uma mistura de emoções percorria pela sua mente, nenhuma era boa.
Raiva, tristeza, rejeição, ódio... Nenhuma era nova para Kai, mas hoje ela se intensificava ao ponto de Kai se assustar quando a sua mente fantasiou matar Josette.

Nada fazia sentido, ou pior, fazia. Ele era o gêmeo defeituoso, aquele que era isolado e desprezado por ter nascido diferente.
Kai se odiava por aquilo, se odiava por não ter nascido sendo "normal" como os irmãos. E por alguns segundos ele almejou poder falar sobre aquilo com alguém que o entendesse, um alguém que ele sabia que provavelmente jamais existiria.
Ele já tinha 16 anos, 16 anos que pareciam estar aos poucos o afogando em um enorme rancor e trauma.

A Devil RomanceOnde histórias criam vida. Descubra agora