Anos atrás no nosso aniversário de dezessete anos, vovô apresentou Rorik como futuro chefe da tribo, comemorando também uma de suas grandes caçadas. O aniversário era de nós dois, mas a maioria das pessoas parecia nem se importar que eu estava ali.
Me lembro de fugir do pátio central onde as fogueiras subiam em homenagem ao grande Gavião, patrono dos caçadores, e caminhar até o ponto alto da Fenda de onde eu podia ver as estrelas e as vidas pequenas dos Caçadores dançando em torno da fogueira com bater de tambores e cantos.
— São todos tão patéticos... — Me vi murmurando sozinha.
Me assustei quando o odre se delineou diante de mim e a voz de Rorik tocou meus ouvidos.
— Não é menos patético se esconder por aqui enquanto todos estão festejando. — Ele disse, se sentando do meu lado e fitando a vila diante de nós. O encarei por alguns instantes antes de tomar um gole da bebida forte em seu odre e soltar um carregado suspiro.
— Não devia estar na festa?
— E você?
Eu achava engraçado que pra Rorik a festa era realmente nossa e não apenas dele.
— Não tem lugar pra mim nessa vila, Ro... Um dia eu ainda vou sair daqui e vou mostrar pra todos eles que essa vila é que era pequena demais pra mim. — Eu murmurei, palavras que pareceram vazias ao longo dos anos.
— Acha que o mundo é tão diferente pra lá da Fenda? — Rorik perguntou e se deitou sobre o chão de neve, fitando a abóbada celeste. Me deitei ao seu lado e senti sua cabeça tocar a minha enquanto encarávamos o céu.
— É isso ou acreditar que eu não devia ter existido neste mundo... Se o mundo for grande, em algum lugar haverá lugar pra mim. — Eu comentei.
— Você tem lugar aqui... Quer tanto assim ir pra longe? — Rorik perguntou e pude sentir a tristeza escondida em sua voz.
— Sim, mas eu não irei... Porque você nunca vai sair daqui e eu não gostaria de ir pra nenhum lugar em que você não estivesse. — Eu disse, porque a simples ideia de viver sem ele me parecia triste demais e acho que ele sentia o mesmo. Desde que saímos do ventre nunca havíamos nos separado de verdade.
Naquela época Rorik me olhou da mesma forma que me olhava agora e me disse com um sorriso pequeno:
— Mas eu também não ficaria em um lugar em que você não estivesse.
Me perguntei se ele ainda se sentia assim... E se sim, porque ele havia aceitado com tamanha facilidade que eu fosse para uma província e ele fosse enviado a outra. Afinal, Rorik nem havia tentado me impedir. Se limitou a me abraçar e me dar um sorriso pequeno.
Eu assisti suas costas enquanto ele caminhava para fora e pensei como seria se aquela fosse a última vez em que nos víssemos... Se ele me odiava ou algo assim. Era a única coisa que eu não poderia suportar... Eu poderia aceitar que o mundo inteiro me odiasse, desde que ele não.
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O Martelo das Bruxas - Volume II: As Crônicas dos Guardiões do Alvorecer
FantasíaNo Volume II desta trama, o grupo de aventureiros finalmente colide. Uma aventura com piratas toma lugar em alto-mar, enquanto, em terra, um conflito se desenvolve, e aumenta a tensão entre as nações vizinhas. Diante da infindável perseguição, esses...