Me revirei na cama, sem conseguir dormir. As cortinas faziam o bom trabalho de escurecer o quarto, e as cobertas grossas me protegiam do frio. Ainda assim, algo me incomodava. A continuidade de memórias passadas que fluíam pela minha mente, sem que eu pudesse controlá-las.
Me sentei na cama e suspirei. Assisti o escuro por um instante antes de me erguer e invocar chamas na minha mão. Lancei as chamas na lareira, que acendeu o quarto com seu brilho amarelo. Me ergui, me sentando no tapete estampado em vermelho, bege e azul, que ornava o chão do quarto.
Abracei meus joelhos, fitando as chamas quase como se elas me hipnotizassem. Talvez porque as chamas fossem um firme lembrete das memórias que jurei não esquecer. Eu até podia ver formas dentro do fogo, dançando, contando histórias.
— Quando alguém deixa sua terra, se torna um estrangeiro em qualquer lugar que for. — Foi o que mamãe me disse uma vez quando eu era criança e havia perguntado porque os Caçadores Brancos continuavam apenas na Fenda, quando poderiam facilmente tomar o Norte.
As chamas me lembravam de quando as pessoas que eu julgava conhecer em Sérpia me queimaram na cabana, sem sequer me ouvirem. Me lembrava também de que depois de sair de lá, eu não sabia exatamente para onde deveria ir. Eu não tinha mais família e nem um lar. Perdera tudo pela segunda vez.
E por isso caminhei por horas, seguindo apenas o cume da Montanha da Morsa no horizonte. Sem muito agasalho no frio gelado e cortante do Norte que parecia piorar a cada passo que eu dava.
Era como se eu estivesse enfrentando uma segunda Bruma. Até pelo fato de eventualmente eu ter desmaiado na neve, e sentir meu corpo ser abraçado pelo tapete cruel e branco. Eu pensei: "Finalmente você vai me levar, neve"...
Mas assim como da primeira vez, nesta eu também acordei aquecida pelas chamas de uma lareira crepitante. Quando abri meus olhos, eu não estava em um lugar como a casa de Hilde e dos pais dela. Era na verdade um quarto amplo e uma cama larga, com tecidos aveludados e pelos.
Me sentei, analisando o lugar. Eu estava vestida em outro vestido e cercada de quentura e riqueza do tipo que eu nunca vira antes. Quando me ergui e dei alguns passos pelo quarto, ouvi o barulho do ranger da maçaneta da porta, e uma mulher adentrou. Parei o passo e a fitei. Senti um estranho tremular no coração quando a vi.
A mulher de longos cabelos amendoados, dispostos numa grossa trança, e de olhos que pareciam até de mentira: eram de um azul brilhante como uma pedra de gelo, mas que envolta da íris eram uma mistura de amarelo e um castanho avermelhado, como se uma chama nascesse dentro do gelo.
Seu vestido era vermelho e longo, com um extenso decote que ia até seu umbigo, revelando o generoso par de seios. Ainda assim, o que realmente chamou minha atenção foi seu sorriso, branco como a neve.
— Olá... — Ela disse, sorrindo, com uma expressão curiosa que parecia analisar minha reação e se divertir com ela.
— Onde estou? — Eu me vi perguntando sem tirar os olhos dela.
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O Martelo das Bruxas - Volume II: As Crônicas dos Guardiões do Alvorecer
FantasyNo Volume II desta trama, o grupo de aventureiros finalmente colide. Uma aventura com piratas toma lugar em alto-mar, enquanto, em terra, um conflito se desenvolve, e aumenta a tensão entre as nações vizinhas. Diante da infindável perseguição, esses...