Minha avó dizia que a raiva é como uma pequena fera: se você alimentá-la bem, ela crescerá cada vez mais forte e robusta, até que finalmente se virará contra você e te abocanhará. Eu sei disso. Mas ainda assim, sinto uma grande raiva dentro de mim...
Talvez ela tenha começado naquele dia, na noite da Bruma, quando eu, Knut, e Rorik, nos perdemos na imensidão de gelo, para além da Fenda. Sim, penso que foi naquele dia que tudo mudou completamente.
Meu avô sempre nos falava sobre tudo que se era esperado de um Caçador Branco. Palavras bonitas como unidade, coragem, força, justiça, sempre rodeavam nossas leis. Palavras que hoje me fazem rir.
Afinal, até mesmo a "justiça" dos Caçadores Brancos era algo que me parecia muito mais com Vingança: "Pague aquele que lhe fez bem, prejudique cinco vezes mais aquele que lhe fez mal". E se eu fosse mesmo viver por essa lei, me pergunto quantas atrocidades eu teria que cometer para fazer os Caçadores Brancos pagarem por tudo que fizeram comigo...
Ainda sinto os calafrios.
Aquela era uma noite fria, como todas as outras eram na região da Morsa. O vento uivava terrivelmente. Me lembro de que vovô segurou uma de minhas mãos, até chegarmos a floresta, enquanto Rorik segurava a outra.
Naquela época, Rorik e eu éramos ainda mais parecidos, e inseparáveis. Quando um de nós passava correndo pela vila, porque tinha feito estripulia, ás vezes até nos confundiam, o que fizera com que Rorik fosse punido muitas vezes no meu lugar.
E na noite da Bruma, enquanto marchávamos para as pedras dos deuses, que desenhavam o longo círculo na floresta, Rorik me olhava batendo o queixo, mesmo estando agasalhado com as felpudas peles que Birgir, dos Tjolger, nos presenteara no último Veraneio. Estávamos felizes, porém.
Na semana anterior, quando completamos nossos dez invernos, vovô nos presenteara com adagas, e nos ensinara como acender uma fogueira. Talvez estivesse nos preparando para sobreviver ao Despertar.
E nós acreditávamos piamente que naquele dia conseguiríamos nossos olhos brilhantes, e faríamos nossas passagens para jovens adultos dos Caçadores Brancos. "Brilhar nossos olhos, vencer o frio, dominar a neve". Não havia dúvida em nossas mentes. Provavelmente porque não compreendíamos o que realmente significava a Bruma.
Apertei com força a mão de Rorik. Nós paramos no círculo, e vovô fez as preces. Havia um silêncio sacro na floresta gelada, exceto talvez pelo ventos que produziam um som aterrador.
Os adultos assistiam de longe, enquanto todas as crianças de dez anos recebiam as pinturas brancas em seus rostos, bebiam de um estranho chá quente oferecido em prece aos deuses, e removiam seus casacos.
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O Martelo das Bruxas - Volume II: As Crônicas dos Guardiões do Alvorecer
FantastikNo Volume II desta trama, o grupo de aventureiros finalmente colide. Uma aventura com piratas toma lugar em alto-mar, enquanto, em terra, um conflito se desenvolve, e aumenta a tensão entre as nações vizinhas. Diante da infindável perseguição, esses...