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Essa é a primeira vez que venho na casa da Sarah. Já imaginei essas cenas algumas vezes, porém, em nenhuma delas era nesse contexto.

Depois de me identificar na portaria geral do condomínio, fui andando até o bloco dela. Lá, minha apresentei de novo e depois, segui pro seu andar.

Quando cheguei em seu apartamento, a porta já estava aberta e tinham algumas pessoas lá, todas muito bem vestidas, igual em enterros de filme. Eu só buscava um rosto conhecido e em meio à toda a bagunça que estava a minha mente, consegui reconhecer o seu Antônio.

— Oi, sr Antônio. — falei ao me aproximar. — Meus sinceros sentimentos!

— Oi, minha querida. — me abraçou. — Bom você estar aqui.

Em seguida, ouvi a voz da Sarah se aproximar, seu Antônio e eu nos soltamos do abraço e ela me abraçou em seguida, me segurando forte.

— Obrigada, Mari. Muito obrigada, minha filha.

— Obrigada pelo que, Sarah? Não adiantou nada, ele não está mais aqui. — disse quase miando em meio às lágrimas.

— Adiantou e adiantou muito... — foi o que ela me disse, antes de sermos interrompidas por um casal de senhores que chegavam. — Licença, Mari.

Eu não conseguia entender e não sabia se toda essa confusão era devido ao remédio, ou se realmente eles estavam muito calmos pra quem acabara de perder seu único filho.

Sentei em um sofá e fiquei lá, completamente alheia ao mundo à minha volta. A água do meu corpo já tinha acabado, pois eu estava chorando sem lágrimas... Passei o olho pelo entorno, procurando a Raquel, mas a achei. Penso que é até melhor, o Victor não merece passar por isso.

— 1 minuto. — Seu Antônio chamou a atenção de todos. — Eu gostaria de agradecer a força, o carinho e a presença de todos vocês aqui em nome da minha esposa Sarah, da minha nora Mariane e do meu neto Victor. Como todos sabem, os corpos foram completamento queimados e o que nos restam são as lembranças...

Eu não consegui escutar o resto do discurso do meu sogro, saí como uma flecha atrás de um banheiro e quando achei, botei tudo pra fora. Ou seja, só água.

Senti mais uma vez que estava prestes a ter outra crise, então, me encarei no espelho por algum tempo, molhei o rosto, sequei e afirmei em seguida:

— Aqui não, Mariane. Não agora. — fiz alguns exercícios de respiração e fui me acalmando.

Quando saí do banheiro, a maioria das pessoas já haviam ido embora.

— Onde você estava, Mari? — Sarah apareceu.

— Estava no banheiro, passei mal, não aguentei ficar aqui enquanto o sr Antônio falava. Desculpa! — falei baixo.

— Tá tudo bem, minha filha. — me abraçou novamente. — Não fique assim... Ele te ama. — eu apenas concordei com a cabeça.

Mais tarde, depois de jantar obrigada, seu Antônio pediu para que seu motorista me levasse me casa e lá fomos nós, em silêncio da Barra da Tijuca, até Bonsucesso, enquanto eu tentava não passar mal.

Cheguei em casa e Jessica estava no portão, agradeci ao motorista, saí do carro e nós duas entramos.

— Amiga, eu acho que esse remédio me fez mal.

— Como assim?

— Acho que eu tô vendo a realidade meio distorcida, melancólica, sei lá... — completei.

— Você tomou outro? — neguei. — Eu não to entendendo nada, Mariane. Por que você acha isso?

— Ou rico sofre escondido ou eles são muito frios. Meus sogros não derramaram uma lágrima, não que eu tenha visto. Até discurso o seu Antônio fez. Não estou julgando, afinal, cada um sente do jeito, mas cara... Ele era o único filho deles.

— Amiga, às vezes eles preferem chorar no reservado. Não são nós.

Ainda ficamos mais algum tempo nessa discussão, até que fui deitar. Rolei de um lado pro outro, e senti pena da Jessica por estar ali, porque eu não sossegava.

Toda vez que eu fechava os olhos, o rosto do Danilo aparecia. Aquele sorriso cafajeste, os dentes perfeitos, alinhados, a covinha sutil embaixo do lábio, bem do lado esquerdo. Os cílios que eram lindos e de dar inveja em qualquer mulher. E aquela boca perfeita, desenhada que eu beijei milhões de vezes, mas que não foram o suficiente. Eu poderia passar o resto da minha vida beijando esse homem.

Comecei a lembrar da saga que éramos nós dois, de como ele era abusado e de quando dei o número errado pra ele parar de encher o saco. E o dia que ele veio trazer uma batata pra mim e nós tivemos a nossa primeira vez.

O Danilo era viciado no meu bolo de batata com bacon, uma vez me mandou mensagem pedindo pra fazer um que estivesse carregado de linguiça e bacon, porque ele estava com muita vontade e no mesmo dia apareceu com uma tatuagem imensamente nas costas. Ficou entre comer e e não comer. Comeu e passou a noite toda achando que ia inflamar a bendita, se besuntou de óleo de côco, pomada cicatrizante e sei lá mais o que, tadinho.

Ele era uma criança grande e posso dizer que, foi o grande amor da minha vida. A intensidade em que nós vivemos essa história é proporcional ao sentimento que criamos. Não tenho dúvida alguma de que isso foi amor, o amor mais puro que senti.

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