Desde que toda essa história começou que eu não durmo direito e quando achei que fosse melhorar, piorou. Os dias entre a decisão e a despedida foram de tortura.
Na minha cabeça, eu revivi todos os momentos com a Mariane, desde quando eu a vi... Até o nosso último momento.
Fiquei escondido na casa dos meus pais até ir pra São Francisco, de lá, saímos num caminhão de grama, de entulho, de tudo o que se pode imaginar. Fomos até uma outra cidade, onde havia um heliponto e de lá, cada um foi pro seu lado.
Eu vim com um homem de segurança do meu pai, num monomotor ou sei lá que porra, não entendo de carro, vou entender de avião. Assisti a todas as reportagens onde falavam sobre a nossa morte e, olhando de fora: foi tudo perfeito.
No dia seguinte ao meu suposto velório, meus pais vieram pra cá. E a partir disso, estamos tentando organizar as coisas, e ver se realmente tudo deu certo.
Eu não fazia ideia da grana que meus pais tinham, aliás, do poder que eles tem, até chegar aqui e ver que o país mudou, mas o padrão de vida permanece.
Ainda não sei como vai ser por aqui, como vou ficar em relação a trabalho, vida social. Afinal, a identidade mudou, mas a cara e as tatuagens são as mesmas. Já vou começar a fazer umas sessões de remoção a laser, porém, só nas mais aparentes, tá ligado? E quanto ao rosto, quem sabe uma harmonização facial.
— Quando vou poder falar com a Mariane? — estávamos jantando e eu tenho certeza que não foi a primeira vez que perguntei isso a eles.
— Daqui uns três meses... — minha mãe disse.
— Três meses? — neguei com a cabeça.
— Três não, seis. Sua mãe falou errado. — meu pai disse óbvio e eu já logo fiquei puto.
Em seis meses, tudo pode mudar. O sentimento pode ser outro, a importância, então... Tá maluco. Não dá pra acreditar nisso.
— Com o Victor também? — ele concordou. — Não vou conseguir.
— Você precisa ser esquecido lá, meu filho. É preciso que tenha outra notícia, que o foco saia de vocês. Faz parte do processo, nós conversamos sobre isso. — minha mãe tentava amenizar toda a situação.
— Perdi a fome. Licença aí... Esse processo tá me matando por dentro, po. Morto por morto, pelo menos lá, eu podia aproveitar com quem eu amo. — dei de ombros e subi pro meu quarto.
Na minha cabeça, não tem muita lógica sair de um inferno pra viver em outro, tá ligado? Eu saí de um cativeiro meia boca, agora vivo em um cativeiro gourmet, essa é a única diferença.
Seis meses é muita coisa. Passa muita água embaixo da ponte... Maldita foi a hora que eu topei essa loucura, po.
Agora é mais uma batalha pra travar com a minha ansiedade, tá ligado?! Agora que eu to bem, to em paz, não preciso fugir de mais ninguém, minhas peças principais estão longe... Bem longe.
Sei que foi uma escolha minha, sei também que é preciso viver dia após dia, mas porra...