MARIANE
— Você sabia disso o tempo todo, né? — falei com a Raquel, que entrou no quarto, logo depois de mim.
— Sabia, mas não o tempo todo. — ela abaixou a cabeça, parecia envergonhada. — Eu soube quando eles vieram pra cá...
— E nunca te passou pela cabeça em me falar?
— Eu não podia, cara. Pelo meu filho... — ainda olhava pro chão. — Eu também sofri, o início também foi difícil pra mim, esconder tudo do Victor, sabe? Eu não posso imaginar o que você passou, mas não leva tudo a ferro e fogo não.
— Muito fácil falar isso, né?! — ri debochada. — Vocês só pensaram em vocês, em seus próprios umbigos e eu é que não posso levar tudo à ferro e fogo? Eu me virei pra fazer com que eles se encontrassem, passei por cima das decisões do Danilo, sei lá que nome vocês o chamam agora...
— Alexandre.
— Pouco importa. — dei de ombros e continuei a falar. — Por que você não fez isso por eles antes? Por que eu tive que ficar na berlinda e depois disso, nem um "obrigada, cachorra", eu recebi? Hein? Muito fácil me usar como facilitadora, mas na hora de demonstrar hm pouquinho de gratidão, ninguém pôde. Eu só não vou embora daqui hoje porque não sei andar nessa merda e tô cansada pra caralho, mas amanhã, eu vou sumir daqui o mais cedo possível.
— Mariane, não é assim também, né cara? — passou a me olhar. — Você tá agindo como uma criança mimada, vamo ver legal isso. Você não ama o Danilo? Você não queria vê-lo fora do crime? Não queria poder viver com ele em paz? Sem estresse? Então, cara...Tu sabe muito bem que era isso ou ele morto de verdade, porque na cadeia ele não ia ficar, você conhece a peça. Eu entendo que você tá puta e eu não tiro a sua razão, porque se fosse eu no teu lugar, ficaria extremamente chateada, e faria até pior do que você tá fazendo, mas bota a mão na consciência, relaxa a mente e o corpo e tentar entender eles também. Não precisa nem compreender os pais dele, só compreende ele. Nós sabemos que ele só fez isso por amor a vocês. Ele mesmo já disse milhões de vezes que você e o Victor são a vida dele. Não faz nada de cabeça quente não.
Enquanto ela falava, eu só olhava pra frente. Olhava na direção dela, mas não era pra lá que eu estava olhando. Meu olhar estava distante e eu só absorvia as palavras e tentava dominar a minha raiva.
— Vou te deixar refletir aí, sozinha, no seu tempo. Se você precisar de alguma coisa, meu quarto é na porta da frente. — falou e saiu, encostando a porta.
A Raquel não está errada, mas também não quer dizer que eu esteja. Posso não aceitar o que eles fizeram comigo, não é mesmo? Posso me sentir usada? Posso. E é assim que eu me sinto.
Tomei um banho, botei um pijama e voltei pra cama, ainda não era tarde, mas eu não queria descer, não ia comer e planejava dormir, aliás, precisava. As palavras da Raquel ainda ecoavam em minha mente, principalmente a parte de tentar compreender o Danilo, Alexandre, sei lá... Quanto os pais dele, outra história, outra conversa.
Acabei adormecendo, e acordei com um bipe do meu celular, e pelo que vi, não era o primeiro. Ele estava cheio de notificações da minha madrinha, do Marcelo e da Jessica. Eu esqueci de avisar que havia chegado.
Gravei um áudio e enviei pra lista de transmissão. Mudei de lado na cama e vi uma bandeja na mesa de cabeceira, tinham algumas frutas, um sanduíche natural, suco, enfim, coisas que eu gosto de comer.
Levantei um pouco o corpo, peguei uma uva e logo avistei um bilhete, pegando-o em seguida.
"Mais uma vez, te peço desculpas. Eu te amo além do que você imagina. Se quiser dormir agarradinha, meu quarto é o da porta ao lado. Te espero!"