79

2.7K 209 7
                                    

DN

Não faço ideia de que horas tem, mas a Mari já dormiu há um tempão e eu, mais uma vez, não consigo pregar os olhos. Essa conversa de hoje me tirou de órbita, me deixou completamente desestabilizado e eu nunca, nunca, nem nos meus maiores pesadelos (ou sonhos), esperava que isso fosse acontecer comigo.

Falar sobre o meu passado não é meu forte, e todos os que me cercam na vida que levo hoje, sabem disso. Ninguém sabe de onde vim e nem o motivo pelo qual estou onde estou, com moral de cria e tudo mais.

Tudo começou na adolescência, final do ensino médio, época que os meus pais já não controlavam mais a minhas saídas. Comecei a explorar o Rio de Janeiro, e conheci quase todos os bailes que existem, era todo final de semana, não perdia um. Não sei como eu tinha pique pra isso...

Numa loucura dessas, conheci a Jordana, eu tinha 18 pra 19 anos, e ela foi a minha primeira namorada de verdade, morava lá no Sta Marta, nada com nada, mas foi uma parada muito intensa. Ficamos por muito tempo juntos, e eu acabei virando amigo do irmão dela, que tinha contexto com os caras que comandavam aquela área.

Como eu tava sempre com ele, pra baixo e pra cima, consequentemente, comecei a ter contato com os caras, que apesar de me gastarem como playboy, se amarravam na minha.

Um dia, o coro comeu e eu não tive pra onde correr. A invasão começou e eu na boca, fumando um de bobeira, quando fui surpreendido com um 38 nos peitos, sem saber manusear. Na troca de tiros, matei um policial, e se não tivesse o matado, eu, o Zézão (irmão da Jordana) e o Caco (um dos caras da alta que estava com a gente na toca), estaríamos mortos, não sobraria nada pra contar história.

Desse dia pra cá, os moleques viram em mim, um aliado, e mesmo que eu não tivesse motivos pra estar ali, eu fui...

De início, não era sempre que eu tava no miolo, mas quando precisavam que eu fortalecesse, lá estava eu, o Dn ou o Playboy, pros mais antigos.

Quando separei da Jordana, acabei conhecendo a Raquel e ela logo engravidou. Raquel sempre frequentou baile, mas não era cria, morava na Taquara e tinha até uma condição maneira.

Os pais dela não ficaram satisfeitos com a gravidez, mesmo sabendo que eu e minha família podíamos arcar com todos os gastos. Então, tirei ela da casa deles e levei pra casa dos meus pais.

Acontece que eu não era, vamos dizer, completamente apaixonado por ela. Nós brigávamos muito e eu não tinha paciência, ela também não gostava de mim, a gravidez não havia sido planejada, tá ligado?! Só aconteceu...

Na gravidez do Victor, eu fui um merda. Passava dias sem ir em casa, sem ver meus pais, a Raquel, enfim... Ficava numa quitinete na favela e quando dava na telha, descia.

Uma vez, a mulher que ajudava minha mãe na casa dela, me viu de ronda com os parceiros, portando fuzil, em dia de baile. Eu nunca imaginei que ela morasse pela área, mas foi aí que a casa caiu...

Daí pra lá, foi só ladeira abaixo. Quando apareci nos meus pais, brigamos feio, foi uma parada horrível, minha mãe descobriu que eu não tava fazendo faculdade nenhuma, que tinha largado minha vaga na federal e que eu mentia, dizendo que não ia pra casa, porque ficava no alojamento.

A Raquel também não queria olhar pra minha cara, mas mesmo assim, montei uma casa pra ela na pista e pus no nome do Victor (que tinha meses na época), condomínio fechado, com segurança, enfim... Tudo do melhor pra eles.

Embora tenha sido um pai completamente irresponsável e ausente na gestação do Victor, quando ele nasceu, eu fui o mais presente possível. Sempre que a Raquel permitia, eu estava lá, levava pra creche, pra médico, pra onde fosse... Meu moleque não tem culpa alguma de nada, e eu não me perdoaria, caso ele crescesse e pensasse isso.

Sempre achei que, tirando o Victor, que até hoje não sabe o que eu faço, eu não tinha mais nada a perder. Então, a cada dia que passava, eu estava mais dedicado à essa vida e nunca foi pelo dinheiro. Pra falar a verdade, eu nem sei qual é o motivo.

O chefe precisou tomar frente de outro território, e o Zézão não queria ir pra longe da família, então, alguém precisava acompanhar no lugar dele, fazer a segurança, ser o braço direito. E pra ocupar essa posição precisava ser alguém de confiança, alguém que estive preparado pra tudo. E quem era esse alguém? Isso mesmo. Eu sou esse alguém.

Vim parar do outro lado do RJ, e se alguém me contasse, eu nunca ia acreditar que ia ser aqui que eu ia conhecer o amor da minha vida.

Não tenho noção de quanto tempo tem tudo isso, mas se o Victor tem 5, devo estar nessa há uns 10 anos, por aí. Tudo aconteceu muito rápido, vivi muita coisa nesse tempo, descobri, presenciei e fiz coisas que nem minha sombra tem conhecimento e nem pode ter.

SEM LIMITES 💸Onde histórias criam vida. Descubra agora