Souvenir

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— Toma, mano — Fred entregou para Yuri um presente que trouxera de viagem. — Comprei pra você, curtiu?

Yuri analisou a peça minuciosamente, um chaveiro com o que parecia ser uma igreja e o nome Trancoso - Bahia. Simples e barato, mas o que importava era o valor sentimental, uma comprovação de que Fred tinha se lembrado dele em algum momento das suas férias.

— Valeu playboy, estava mesmo precisando de um chaveiro novo — agradeceu o rapaz, de forma educada. De fato, chaveiro era algo que ele nunca se lembrava de comprar, então aquele lhe seria mais útil do que pensava.

Fred cruzou os braços de onde estava, olhando para Yuri com estranheza.

— Você vai mesmo usar isso? A maioria das pessoas só faz jogar essas coisas numa gaveta velha e depois esquecem que existe.

— Claro que vou. Pra que serve um chaveiro se não para guardar chaves? Em minha casa nós aproveitamos tudo.

...

Yuri agora não era mais calouro e estava ajudando Fred e Otávio nos preparos do trote. Os mais velhos contaram uma história de horror envolvendo os trotes do ICAES, explicando que um dia foram mais pesados, mas após uma caloura morrer, tudo mudou. A dupla de patetas narrou que a garota havia virado uma assombração e desde então atormenta os banheiros da instituição em dias de calourada, Yuri só fez rir, apesar de achar a história de muito mau gosto. Após implicar com os dois, o assunto mudou; Otavio desabafara sobre sua relação com Jenifer e depois começou a lançar perguntas a Fred:

— E então Fredão, conheceu alguma baiana por lá?

Yuri, que estava pintando uma cartolina no chão, olhou discretamente para os dois, percebendo uma rápida mudança de expressão em Fred.

— Se eu te falar que não, tu acredita?

— Claro que não. A não ser que você esteja saindo com alguém, acertei? — sugeriu Tatá, completando em seguida: — E ainda assim seria estranho... Nunca te vi sendo fiel a ninguém.

Fred esboçou um sorriso torto.

— Eu to conhecendo alguém sim — Fred se escorou na parede próxima a Otávio. — Uma pessoa foda, muito diferente de mim, incrível em todos os sentidos.

— E eu conheço? — indagou Tatá, cheio de curiosidade. Diziam que as mulheres eram fofoqueiras, mas desde que passou a sair com os rapazes, Yuri pôde constatar que eles não eram nada diferentes.

Fred sorriu e deu de ombros, do jeito que ele fazia quando queria desconversar.

— Não posso falar ainda. Mas logo você vai descobrir.

...

Jenifer e Yuri foram os primeiros a chegar no terceiro dia de aula do novo semestre. Estavam empolgados em conhecer os novos professores e descobrir quais continuariam com eles no segundo período. Isabela havia se atrasado, então Yuri e Jenifer aproveitaram para falar de um assunto que só os dois sabiam.

— Eu já disse a você o que acho. Fred não é uma pessoa boa, Yuri. Eu vejo que ele faz com você o mesmo que fazia com o Tatá.

— E o que é que ele faz comigo? — Yuri quis saber. Eu sei onde tou pisando, pensou.

Jenifer soltou um suspiro pesado, como quem dizia "não é óbvio?", e em seguida olhou na direção da porta de entrada, certificando-se de que não havia ninguém chegando. Só então ela respondeu:

— Quantas vezes ele foi até a sua casa? O que ele sabe sobre você? — Yuri ficou em silêncio e Jenifer entendeu como uma resposta. — Percebe? Ele nos aceita enquanto estamos vivendo nesse mundinho dele, tentando nos encaixar em seu estilo precioso de vida. Ele paga lanches, bebidas, empresta livros, tudo isso estabelece uma relação de dependência nossa com ele. E enquanto a gente dançar a música que ele quer tocar, serviremos como amigo. Quando não... — ela concluiu com um dar de ombros.

Yuri ficou em silêncio por alguns segundos, refletindo sobre o que acabara de ouvir. Talvez já tenha pensado o mesmo algum dia, mas tudo mudou quando deu uma chance para conhecê-lo melhor. Hoje, ele sentia que o playboy realmente apreciava a sua companhia, e ele julgava ser bom em entender quando não era bem-vindo.

— É que você ainda não deu uma chance para conhecê-lo melhor. Fred é sem noção, todo metido a besta, arrogante e talvez um pouco machista e egocêntrico, isso tudo é verdade, mas ele tem um bom coração. E quando gosta de alguém, ele realmente gosta.

Jenifer não pareceu convencida.

— Sinto falta do Yuri que desprezava todos esses riquinhos daqui, que odiava essas resenhas de playboys... mas isso é com você. Só que antes de qualquer coisa, você deve se perguntar se é possível que ele corresponda a isso que tu tá sentindo. Porque, Yuri, eu tenho medo que você esteja criando expectativas onde não existe nada.

Yuri mordeu o lábio inferior e olhou para o quadro vazio. Alguns colegas começavam a chegar na sala, então era melhor se apressar para encerrar o assunto.

— A verdade é que eu não sei. Na maior parte das vezes, acredito que não. Mas daí tem umas horas que penso... mas e se? — desabafou.

— Bem... então o conselho que posso te dar é, se abra para ele. Mas não vá roubando beijo como numa certa vez — Jenifer brincou, quebrando o clima com um sorriso.

Isabela chegou conversando com Alice e Vicente, ela acenou para Jenifer e Yuri e atravessou a sala até eles, para se sentar onde costumava sentar.

— Bom diaaa — cumprimentou a mineira, com um largo sorriso.

— Bom dia amiga, onde você estava? Seu ônibus atrasou hoje? Ou você se perdeu pelo prédio? — Perguntou Jenifer, pois Bela era sempre uma das primeiras a chegar.

— Depois eu conto a vocês — prometeu Bela enquanto guardava a mochila na carteira ao lado de Jenifer.

Mesmo após acomodar sua mochila na carteira, Isabela não sentou, ficou de frente para Yuri e Jenifer.

— Vamos rapidinho na biblioteca antes de começar a aula? Quero pegar um livro que está na ementa do Professor Pires — Bela propôs.

As duas foram em direção da saída enquanto Yuri ficou em sua carteira lendo uma notícia no celular.

— Peraí que eu já vou!

— Ah, Yuri, traz a minha garrafinha de água, por favor? Está na minha mochila, no bolso grande — Isabela pediu.

Yuri, que ainda estava na parte das carteiras, levantou-se e foi até o lugar de Bela. Ele abriu a mochila e enfiou a mão para pegar a garrafa que ela pediu. Foi então que percebeu algo diferente, um acessório preso ao estojo da amiga. Num impulso de curiosidade, pegou para dar uma olhada, era uma bonequinha de maria bonita com os escritos "Trancoso - Bahia". E em poucos segundos, Yuri encontrou a resposta para o último questionamento de Jenifer. Sou um perfeito idiota, disse a si mesmo, derrotado.

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora