Celular

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- Mas seja rápido. Se alguém descobrir, estou acabada - Nina alertou, antes de sair, fechando a porta.

Yuri ficou sozinho num lugar que parecia ser a dispensa de roupas de cama, toalha, materiais de higiene, etc. Ele segurava o celular na mão, e depois que Nina saiu, ficou encarando a tela escura, passando o dedo sobre o botão que ligaria o aparelho sem de fato pressioná-lo.

***

Um trailer estava parado entre as árvores do retiro, num lugar um pouco mais afastado, como uma sucata esquecida pelo tempo. Mas quando Yuri se aproximou, percebeu que estava em bom estado de conservação. Fred estava ali, como o avisaram que estaria, olhando fixamente para o veículo com os braços cruzados. Ele percebeu quando Yuri se aproximou, mas não se moveu e nem esboçou nenhuma reação.

- É a primeira vez que eu chego perto de um desses - Yuri contou, tocando na lataria com admiração. - Muito maneiro! Acho que todo moleque já quis viajar pelo mundo dentro de um.

- É do Fábio. Ele e Dora viajavam por aí antes de se estabelecerem aqui - explicou Fred, e então lançou uma proposta: - Quer entrar? - Ele puxou a porta e segurou-a, esperando a decisão de Yuri, que fez o esperado.

Era um lugar apertado, com um armário de madeira, um colchão suspenso sobre a cabine do motorista (quase chegando ao teto), um sofá na lateral e até um pequeno fogão vermelho. As janelas de vidro estavam fechadas, mas o cheiro não era ruim, parecia terem queimado um incenso recentemente, que Yuri não tinha certeza, mas apostaria ser alecrim.

- E então? - Fred perguntou, a porta fechou atrás dele.

Quando o outro entrou, o espaço parece ter encolhido mais. Yuri deu um passo para o lado, para que ele passasse, e esbarrou no armário, amaldiçoando a mobília mentalmente.

- Nos filmes eles parecem mais confortáveis - respondeu com sinceridade. - E tá um pouco quente, acha não?

Fred começou a abrir as janelas de vidro, deixando que o ar da manhã entrasse e amenizasse a sensação de abafado. Seria melhor simplesmente voltar lá pra fora, mas Yuri entendeu o gesto como um convite para ficar mais tempo onde estavam.

- Não é tão ruim assim, vai - Fred protestou, sentando-se no estofado. - Quando posso, dou uma fugida pra cá.

Num primeiro momento, Yuri não conseguiu compreender o porquê de com tanto lugar bonito em Lumiar, ele escolhera se refugiar dentro de um carro. Mas depois caíra em si, lembrando-se de que Fred sempre foi cheio de ideias difíceis de entender. Terminou indo se sentar ao lado dele. Era pra estar recebendo uma boa massagem nesse exato momento, mas ali estava, fazendo nem ele sabia o quê.

- Como foi? - Fred perguntou, tocando o joelho de Yuri de um jeito que pareceu ansioso.

- Não foi. Eu fiquei uns cinco minutos olhando pra tela do celular sem saber o que fazer. Ontem, quando falei com Nina, eu achava que sabia. Mas hoje, tudo mudou. Quando pensei em me conectar com o mundo lá fora, a vontade se foi, parou de fazer sentido.

- O que isso quer dizer? - Fred atravessou, encarando-o com uma sobrancelha arqueada.

Yuri engoliu em seco.

- Devolvi o celular pra Nina da mesma forma que ela me entregou, desligado. - Ele torceu os lábios pro lado, com um ar de frustração.

De repente, os olhos de Fred pareceram ter reencontrado alguma coisa. Yuri não tinha notado a diferença até ver de perto a forma com que eles se iluminaram.

- Isso é bom.

- É? - perguntou o bolsista, confuso.

- É. Significa que você me escolheu. - Um sorriso convencido subiu aos lábios do playboy.

- Escolhi? Não sabia que estava fazendo uma escolha... - Yuri continuou confuso. Perguntava-se se em algum momento, enquanto estava na posse do celular, ele pensou dessa forma.

- Não sabia, mas fez... - Fred levou a mão até o rosto de Yuri e inclinou a cabeça em sua direção, parando a poucos centímetros do seu rosto. - Eu - finalizou, antes de beijá-lo.

O mais velho encerrou o beijo com um selinho, depois outro e mais outro, e então Yuri decidiu que não o deixaria ir, segurou no seu rosto em busca de apoio e abriu os lábios, tomando a iniciativa de um novo beijo. Isso talvez tenha sido um erro, pois de repente as mãos de Fred estavam sob sua camisa, deslizando e subindo por suas costas. Percebeu que ele queria remove-la, e no estado em que estava teria permitido, não fosse um súbito pensamento que atravessara a sua mente, trazendo de volta todas as inseguranças.

- Chega - Yuri sussurrou contra os lábios do mais velho.

Fred se afastou, recostando-se na parede do trailer e soltando o ar pela boca.

- Foi mal, é que... - desculpou-se, olhando para baixo e depois para Yuri. - Você me confunde.

O mais novo se recompôs, movendo-se para a ponta do estofado, deixando um espaço entre os dois. Sentia-se envergonhado e frustrado, como um dia já sentiu com Fernando, mas não queria falar sobre esse assunto com ele, nem com ninguém.

- Fred... você acha que isso que tá rolando entre a gente é mesmo real? Que vai dar em algum lugar? - Perguntou de repente, com a voz vacilante.

Fred o encarou como um olhar pensativo.

- O que tô sentindo aqui - ele pousou a mão sobre o peito - é muito real, sim. E quando a gente tá junto, eu vejo que você sente o mesmo. A não ser que eu esteja muito maluco. Não seria a primeira vez, mas prefiro acreditar que não.

- Você não está - Yuri admitiu, abaixando a cabeça. - Mas isso que tô sentindo me assusta. Eu devia ter ligado o celular, eu devia... ter falado com ele, era o certo a fazer. Mas a ideia de ver ou sentir algo que ameaçasse seja o que for que está acontecendo entre nós... eu não consegui lidar, e isso foi estranho pra caralho, de verdade.

- Eu não sei como é a sua relação com esse cara, você quase nunca fala sobre ele. E por mais que eu confie no meu taco, também fico inseguro, você me deixa assim - o playboy confessou, com um olhar firme. - E se daqui algumas semanas, quando vocês se reencontrarem, você perceber que eu sou um bosta e que ele é tudo que você precisa? E se você tivesse percebido isso hoje mesmo, quando acordou? Se eu paro pra ficar pensando nessas coisas, eu piro, por isso prefiro evitar. Então sim, eu fiquei feliz em saber que você não quis falar com esse maluco, que você teve essa oportunidade, mas preferiu voltar pra mim, que o que nós temos aqui é suficiente. Isso diz mais que palavras, porque eu te conheço, sei como você é.

- E como eu sou? - Yuri quis saber.

- Um chato cheio de marra que nunca irá dizer nada que me faça sentir vitorioso - respondeu, dando um sorriso de provocação.

Yuri riu de volta. Por mais que gostasse de Fernando, por mais que viesse tentando amá-lo como amou um dia, era diferente. Quando se permitia ser honesto consigo mesmo, ficava óbvio onde seu coração estava, e duvidava que ele iria a algum lugar.

***

Os dois voltaram juntos até a entrada do refúgio, entraram rindo de alguma bobagem dita por Fred. A primeira coisa que viram foi uma mulher loira de costas conversando com Cristal na recepção.

- Lumiar? - Fred chamou.

A professora do ICAES se virou para os dois, fazendo uma cara de surpresa.

- Vocês. O que estão fazendo aqui?

- Passar uns dias, espairecer - ele respondeu, entre um beijo e outro no rosto da advogada.

- Espero que estejam aproveitando - disse ela, de forma simpática. - Vim passar um tempo com a minha mãe.

E então uma outra voz chamou atenção dos dois.

- Esse lugar já foi melhor frequentado - Guiga provocou, vindo do refeitório abraçada com Dora.



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NOTA: Esses dois ainda tem muito o que conversar, então pode ser que tenhamos alguns capítulos parecidos no futuro. Me desculpem, preciso passar por eles pra poder avançar ;)

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora