Um Pássaro na Mão ou Dois Voando?

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— Como foi em São Paulo? — Yuri perguntou de um jeito dócil, tentando se mostrar educado. O silêncio e a troca confusa de olhares começava a se tornar um incômodo, mas ele ainda estaba tentando organizar os pensamentos, sem saber por onde começar a conversa ou o que exatamente iria dizer.

Os dois estavam sentados numa das mesas do refeitório, um de frente para o outro, as mochilas ocupando as outras duas cadeiras como se fosse um sinal para que ninguém se juntasse a eles. Como era início de manhã, foi fácil encontrar uma mesa vazia,  sendo que algumas foram ocupadas por aqueles que não tomaram café da manhã em casa e aproveitavam para realizar a refeição agora ou que tinham algum trabalho da universidade para fazer. Estavam todos entretidos com seus afazeres, de modo que não prestavam atenção nos dois rapazes que tinham muito para conversar.

— Bem. — Fernando respondeu sem se alongar. Estava com as mãos sobre a mesa, segurando o celular e encarando Yuri de um jeito analítico.

O que tá acontecendo aqui?, perguntava-se o mais novo enquanto encarava o mais velho com suspeita. Fernando estava especialmente atraente naquela manhã, com o cabelo bem cortado e a barba escura aparada, o óculos pendurado na gola da camisa branca. O perfume não era exagerado, mas era bem presente, sendo provavelmente de origem estrangeira, o que não combinava com o personagem que ele encenava. Yuri se pegou lembrando da noite em que se conheceram e ficou sem entender o porquê disto agora.

— E os exames... deu tudo certo? — insistiu, demonstrando uma preocupação genuína. Depois de Dora, ficou com medo de que algo pudesse acontecer com ele.

Fernando ficou em silêncio por alguns segundos, o que quase fez o coração de Yuri sair pela boca, só então ele respondeu:

— Tudo em ordem, não precisa se preocupar com isso. — Ele começou a mexer no celular, como se procurasse por alguma coisa, enquanto isso, seguia falando: — Eu tava de boa em casa quando recebi uma coisa, queria que você desse uma olhada.

Desconfiado, Yuri pegou o celular da mão do paulista. Uma foto. Reconheceu o lugar após alguns segundos, e com o zoom não restou nenhuma dúvida, era ele e Fred do lado de fora do baile funk de Piedade. Como foi que Fernando conseguiu isso?, estava em choque.

— Tem mais, é só ir passando — o dono do aparelho orientou, a voz serena demais para quem comandava um possível exposed.

Yuri apenas engoliu em seco e foi passando foto por foto, chegando ao momento exato em que Fred lhe roubara um beijo. Claro que a pessoa que tirara as fotos esquecera de mandar a parte em que Yuri protestara sobre aquilo, se é que teria alguma importância afinal... (vendo o momento de outra perspectiva, notou que ele não pareceu tão indignado quanto se lembrava estar quando isso aconteceu). Respirou fundo para conseguir coragem e ergueu a cabeça, ficando diante da expressão de desânimo e descrença do cara mais velho.

— Quem te mandou isso? — perguntou em um tom irritado, largando o celular sobre a mesa.

— A origem da fonte não é o que tá em pauta aqui, Yuri! O que eu preciso mesmo é ouvir de você uma explicação.  Cê tem noção de como tá a minha cabeça esses dias? Eu já pensei em um milhão de coisas...

Yuri deixou escapar um sorriso nervoso, inconformado com a ideia de ter sido fotografado por alguém e essa pessoa ainda ter enviado as imagens para o cara que ele estava saindo.

— Foi o Mateus, não foi? Claro que foi, ele tava lá no dia. E isso é a cara dele.

— Vamos nos atentar ao fato que interessa? — O paulista rebateu. — O que aconteceu nessas fotos?

Yuri respirou fundo e levou as mãos ao rosto, tentando ganhar um pouco de tempo para pensar no que iria responder.

— Eu ia te contar... — E ao dizer isto, percebeu que essas palavras estavam se tornando uma constante em seu vocabulário.

— Ah, ia? — ele ironizou, retorcendo o lábio e balançando levemente a cabeça, mostrando não estar convencido. — Eu ainda tava aqui no Rio quando esse baile rolou, por que não me contou?

— Mano, minha cabeça tava cheia por causa das provas finais e eu não queria de jeito nenhum estragar tuas férias. Fiquei esperando tu voltar pra gente conversar — justificou-se. Estava começando a se sentir pressionado e isso incomodava. Por outro lado, reconhecia que havia aprontado nessas últimas semanas e entendia que Fernando tinha direito de agir até pior do que estava fazendo.

Espero que ele não queira me bater...

— Então esse beijo não significou nada pra você? — perguntou o mais velho. Seu olhar agora estava diferente de antes, e a voz escondia uma espécie de súplica. — É só isso que eu preciso saber, Yuri. Se você me disser que não, a gente pode colocar uma pedra nessa bobagem e esquecer tudo. 

Yuri desviou o olhar para baixo e respirou fundo. Por um instante, pensou em mentir; Fernando era bonito - muito bonito -, inteligente, bem resolvido, também era educado, sabia cozinhar, era mais maduro que qualquer cara que ele conhecia e, acima de tudo, amava-o de um jeito puro e dedicado. Se outrora não conseguiam se entender na cama, a culpa era toda sua, não dele. Antes não estava preparado para se entregar por inteiro a ninguém, mas agora estava, sabia que iriam se entender e que seria maravilhoso do jeito que costumava fantasiar na época em que estiveram juntos pela primeira vez. Sem contar que já havia perdido Fred, então por que tinha que abrir mão do outro?

— Fernando... — murmurou com dificuldade, encarando-o sem jeito. — O que rolou entre mim e você foi...

— Foi... — o paulista repetiu, com uma expressão melancólica e uma voz quebrada.

— Eu gosto de você, pra caramba, mas é que... eu não te amo mais — disse o que tinha que dizer, mesmo se sentindo muito mal por isso. Seria tão mais fácil se o amasse? Já tinha feito antes, por que não conseguia fazer o mesmo agora? Talvez ainda existisse alguma faísca entre os dois.

— Cê tá com esse cara agora, é isso? — Nando perguntou, as linhas do rosto caindo sutilmente pelo peso de tristeza, enquanto o brilho do olhar se apagava aos poucos.

Yuri fez que não com a cabeça.

— Não. Não estou.

— Mas queria estar... — entendeu logo que não era uma pergunta e sim uma constatação.

Yuri abaixou a cabeça em silêncio, como se tivesse sofrido uma derrota. Fernando balançava a cabeça com um ar de indignação.

— Então é isso, só posso dizer pra que vá em frente — Nando desejou, mas não havia sinceridade em suas palavras e nem agressividade. Podia ter acabado de falar aí, mas ele resolveu continuar: —, só que quando esse cara te foder, e não tô falando no bom sentido da palavra, não espere que eu esteja aqui pra te ajudar a juntar os cacos. Eu tentei fazer a gente dar certo, você sabe, mas sei quando é hora de tirar meu time de campo. É o que vou fazer agora.

E com isso, o mais velho se levantou, pegou o  celular e a mochila dele e saiu em disparado para o pátio. Yuri ficou onde estava, pegando o celular e olhando para a tela numa tentativa boba de disfarçar que estava tudo bem. Queria ter dito a Fernando que gostava dele e queria sua amizade, mas isso só pioraria as coisas. Então restou desejar em silêncio para que o ex-namorado encontrasse alguém melhor que ele... e melhor que o Mateus também, pelo amor de Deus.

Era o segundo dia de aula do quarto período de Direito e Yuri acabara de passar por um novo término em menos de 24 horas, o que mais teria pela frente? Talvez não queira descobrir. 

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora