Aonde Quer que Você Vá

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Sonhou que estava sob o sol brilhante de uma ilha deserta. Dezenas de coqueiros verdes balançavam no embalo do vento e os caranguejos vermelhos corriam pela areia branca da praia caçando alimentos deixados pela maré baixa. Apesar de ser carioca, nunca havia visto um mar tão azul antes, de uma cor tão intensa que era praticamente mágico; sentou-se na areia fofa, fitando a imensidão azul sem nenhuma pressa, absorto pela satisfação de não ter nenhum lugar para ir, nenhuma dívida para pagar, nenhuma apostila para ler, nenhuma lauda para escrever... existir era tudo que lhe cabia e um ser humano não podia desejar mais do que isso.

Até que um barco branco surgiu no horizonte. Ao invés de se sentir aliviado com a chegada de uma companhia, sentiu ameaça, como se o seu sossego estivesse prestes a ser violado por um intruso. Fred surgiu na proa e acenou para ele, em seguida pulou na parte rasa do mar, correndo em sua direção como um filme antigo e cafona. Usava uma roupa de marujo como aquelas que Yuri só vira em fantasias de Carnaval, incluindo o chapéu. Achou-o tão engraçado que precisou segurar a risada.

— Precisei atravessar todos os oceanos do mundo, mas finalmente te encontrei — disse ele, com um sorriso emocionado. — Vim te buscar.

— Mas... — Yuri ameaçou um protesto, olhando para a ilha que acabara de conhecer como se fosse uma amiga antiga. Por que alguém iria querer ir embora de um lugar tão perfeito? Estava longe da perversidade do sistema, da crueldade do mundo real. Fitou uma chalé modesta por trás de seu ombro, não tinha nenhuma lembranças sobre, mas sabia que era a sua casa e que em seu interior havia tudo que precisava. — Por que a gente não fica aqui?

— Eu não posso — Fred respondeu calmamente. — Meu lugar não é aqui.

— Mas você não tava me procurando?

— A vida inteira — ele continuou.

E, de alguma forma, isso foi suficiente para que seus sentimentos anteriores se transformassem completamente. Talvez fosse medo da solidão, talvez outra coisa, não tinha certeza, mas se Fred não podia estar lá com ele, não valia a pena. Sem hesitar, sem tentar fugir, sem querer desaparecer, Yuri simplesmente foi, acompanhando o marinheiro rumo ao barco, para ir aonde quer que ele fosse.

Acordou na cama dele, encolhido e paralisado no lugar, em posição quase fetal. O dia estava claro lá fora e o herdeiro do barco ainda dormia profundamente do seu lado. Com os olhos fechados, Yuri respirou fundo, abraçando o próprio peito enquanto esperava os olhos se acostumarem com a claridade e pensava no que iria fazer a seguir. Deveria acordá-lo ou simplesmente sair de fininho? Seus dedos dos pés se dobraram automaticamente assim que as lembranças da noite passada chegaram, agitando-o com muitas sensações, e nenhuma dessas era arrependimento. Sentia um misto de felicidade e leveza; pela primeira vez em muito tempo, havia feito o que desejava fazer sem se martirizar por isso. A verdade indigesta é que até existia uma boa razão para aceitar a culpa, mesmo assim, sua tentativa de procurar motivos para se sentir um canalha da pior espécie fracassaram. E o pior de tudo era que, se tivesse escolha, faria tudo de novo.

Que tipo de pessoa eu me tornei?, perguntou-se enquanto pensava em Fernando, e uma voz dentro de si respondeu: "O tipo feliz".

O ar condicionado tornara o quarto frio, e, além da pouca roupa, eles não tinham nenhuma coberta. Tentando não fazer barulho, Yuri se moveu vagarosamente através da cama, sentando-se na borda, varrendo o ambiente com os olhos à procura das peças de roupa que foram lançadas pelo ar na noite passada. Encontrou a calça e levantou-se para ir até ela. Antes de dar os primeiros passos, porém, seu punho foi segurado por Fred, que o fez sentar de volta onde estava.

— Não vai — pediu ele, com a voz manhosa. A sonolência estava estampada em todas as linhas de seu rosto. — Você sempre acorda primeiro e me larga sozinho.

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora