Matador de Mentira

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Yuri mal pregara o olho na noite anterior. Quando conseguiu dormir, já era quase de manhã, e o toque do despertador o trouxe de volta à penosa realidade. Hoje o rapaz teria compromisso com o coletivo negro do ICAES, mas não conseguiria ir até eles sem antes resolver o que tinha pra resolver com Fernando.

Marcou de encontrá-lo na praia. E ficou ali, próximo a um quiosque vendo as ondas do mar se quebrarem na areia. Por um breve momento, seus pensamentos foram carregados pelas águas, e ele apenas se deixou envolver pelo barulho do mar.

E foi bem nesse instante que Fernando apareceu, aproximando-se de Yuri com a mochila nas costas. Sua expressão era enigmática, Yuri observou, não denunciava se ele sabia ou não o motivo daquela prosa. O bolsista se levantou para iniciar a conversa, não queria dar a oportunidade do outro pensar em se sentar ao seu lado.

— Eu acho que te devo um pedido de desculpas... — Fernando falou, parado a menos de um metro de Yuri. — Eu não devia ter ficado chateado porque você parou para ajudar um colega.

Ele não sabe, constatou Yuri diante da expressão tranquila do mais velho. Fernando soava tão cínico que despertava no bolsista uma ligeira vontade de agredi-lo.

— Um colega ou o Fred? — Yuri perguntou, sério. — Será que ele poderia me contar algo que você não queria que eu soubesse.

A rápida mudança no olhar e na expressão facial de Fernando denunciaram que a sua ficha havia caído.

— Você tá falando de...

Yuri interrompeu o mais velho.

— Do Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Romano Batista de Amorim Rocha. Teu pai. Da empresária do ramo de hotelaria Lívia Bragança. Tua mãe.

Fernando fechou os olhos e deixou escapar um suspiro, sabia que não conseguiria mais se esconder.

— Eu ia te contar Yuri, sério, mas é que... — Ele tentou se explicar, mas Yuri não quis ouvir.

— É por isso que você nunca me contava nada sobre sua família, que nunca me convidou para ir até a casa de "sua tia", que sempre ia "dar um jeito de pagar a fatura do cartão", que as fotos que você me mandava de São Paulo sempre eram no mesmo lugar... Eu fui muito feito de otário, mano.

Fernando baixou a cabeça.

— Eu só não queria ficar na sombra do meu pai, o que há de tão errado nisso? Não quero que as pessoas me vejam aqui e pensei que só estou por causa dele. Não quero que me deem vantagens, que me tratem diferente. Quero provar a mim mesmo que eu consigo ser eu, Fernando, e não o filho de Dona Lívia e do Senhor Romano — o falso bolsista desabafou.

Yuri não ficou comovido.

— Então a instituição toda te acobertou? Claro que acobertou, pessoas como você podem tudo, não é? — rebateu o bolsista, indignado. — Há alguma coisa que não seja mentira em você?

Fernando olhava para Yuri com um olhar triste. Após alguns segundos de silêncio, ele respirou fundo e falou:

— Meus sentimentos por você. Eu não menti quando disse que te amava, Yuri — ele deu dois passos em direção do rapaz mais novo, que recuou na mesma proporção. — E eu achei que você estava falando a verdade quando disse que me amava também. Essas coisas não mudam de um dia para o outro.

Yuri deixou escapar uma risada. A convivência com Fred, nos primeiros meses da faculdade, havia bagunçado o seu mundo de uma forma que ele não esperava, então Fernando apareceu e o ajudou a se encontrar em meio a toda aquela bagunça. Machucou-o profundamente saber que tudo fora uma farsa.

— Eu me apaixonei por um personagem barato, não por você — ele respondeu, por fim.

O bolsista deu as costas para o ex-namorado e partiu. Já tinha falado o que tinha pra falar e ouvido o que tinha para ouvir. Agora só queria encontrar paz bem longe dali.

— Nada do que a gente viveu foi mentira, Yuri. Um dia você vai perceber isso. E eu vou tá aqui, te esperando — Fernando falava de onde estava, vendo Yuri se afastar mais e mais dele.


***


Eles estavam fazendo cartazes para pressionar a gestão do ICAES a demitir um professor do curso de Relações Internacionais por postagens de cunho racista nas redes sociais. O ato seria amanhã, então os membros do núcleo estavam todos se organizando. Yuri chegou atrasado, mas logo pôs as mãos na massa. Estava com um nó preso à garganta, com a cabeça ainda enroscada em toda a situação com Fernando, mas quando começou a ouvir os seus e se engajar em seu trabalho, foi como se essa drama desaparecesse, dando espaço para uma revolta mais urgente.

Em determinado momento, Bela veio até Yuri, perguntar o porquê de ele estar tão quieto. Yuri não se sentiu a vontade para falar sobre Fernando, então o assunto acabou sendo Fred. Bela afirmou que se preocupava com o playboy, mas também que estava em paz com a sua decisão de terminar o namoro. Que agora percebia que era o que ela precisava. Yuri não precisava terminar com Fernando, nem estava em paz com a sua situação, invejou a amiga por isso.

Logo após a reunião, quando Yuri e Bela deixavam a sala, o líder do coletivo veio até eles.

— Vocês tem um tempo para conversar? — Vini perguntou. Bela e Yuri responderam que sim. — Então, semestre que vem vai rolar as eleições do DCE e eu junto da rapaziada estamos com a ideia de organizar uma chapa. Queria saber se vocês topariam participar. 

Os dois bolsistas trocaram olhares de surpresa. Ocupar o DCE com uma chapa de pretos era uma proposta irrecusável, mesmo que isso significasse comprar uma briga com Fred.  

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora