Do I make you cringe? (Fred & Yuri)

O Gato Preto

— Dormindo acordado? — Milena perguntou ao se aproximar do balcão.

— Opa! Pensando em umas paradas enquanto tô aqui à toa — Yuri respondeu, coçando a cabeça.

O movimento no bar estava baixo e isso permitia ao garçom alguns minutos de respiro, sendo um dos raros momentos em que Deus lhe dava uma colher de chá.

— Pelo visto tem muita coisa acontecendo aí nessa cabecinha...

— Eu tô parecendo distraído? — Quis saber, preocupando-se com o desempenho no trabalho.

— Se tá — ela respondeu, sorrindo. — Mas não se preocupe, todo mundo tem dias assim.

O silêncio pairou sobre eles por alguns segundos, até que ela perguntou o que tinha acontecido. A princípio, Yuri disfarçou, mas logo cedeu a sua inquietação e contou sobre o recente episódio no banheiro do ICAES – sem revelar a identidade de seu ex, claro, deixando ela pensar que falava de Fernando.

— Você saiu correndo? — a garçonete perguntou, com um sorriso atrevido nos lábios.

Respondeu-a que sim com a cabeça.

— Vocês homens são tão diferentes de nós... Eu jamais teria tido essa calma, ia ficar escondida num canto até ver a figura que sairia do banheiro. Isso se não fizesse um barraco de uma vez!

Só agora Yuri percebeu que podia ter feito isso. Na hora, sua urgência de fugir fora tanta que simplesmente saiu em disparada rumo a saída da faculdade. Agora a dúvida lhe atormentava a todo instante, como se sua paz dependesse daquela informação.

— Eu não tenho nada a ver com isso. O cara é livre pra ficar com quem quiser — disse, tentando se convencer das suas próprias palavras. — O problema é só que...

Milena riu e completou:

— Você tá se corroendo de curiosidade!

Encolheu-se com os braços apoiados no balcão.

— Você não me acha ridículo por ficar com isso na cabeça? — perguntou-a, em busca de empatia.

— Relaxa, colega. É normal ficar assim, não significa que você ama esse cara ou quer ele de volta. Sabe quando sua mãe dá um brinquedo velho seu pra alguma criança da família sem nem te consultar? É tipo isso, o ser humano não gosta de ver outros brincando num parquinho que já foi seu.

— Você tem razão — respondeu, sorrindo sem graça.

E então Simas chamou a garçonete para servir um tira-gosto que acabara de ficar pronto, encerrando o assunto.

~~~

Uma forte chuva surgiu de repente, acompanhada de ventos potentes. Isso era bom para os funcionários e ruim para o patrão, pois afastava novos clientes. As dez cabeças que ainda estavam ali, contudo, iriam ficar abrigadas até o tempo acalmar. E, nesse período, devem consumir, ou seja, os funcionários não teriam descanso.

Havia acabado de levar duas cervejas até uma mesa na parte oriental do estabelecimento quando viu alguém surgindo em meio a chuva, abrigando-se no interior do bar.

O cabelo de Fred estava escuro e encharcado, assim como parte de sua roupa. Por onde passava, deixara uma trilha de água no chão, algo que o garçom teria que limpar mais tarde. E atrás dele havia um pequeno gato preto, miando para sua perna e acompanhando-o como um filhote de pato faz com a mãe.

Milena falava com ele quando Yuri se aproximou.

— Aqui está ele — disse ela, apontando para o garçom.