Yuri trancou a porta após Nina deixar o quarto. Estava animado em encontrá-la depois de tanto tempo, apesar de nunca terem sido amigos. Pelo menos seria um rosto conhecido para ele além de Fred naquele lugar. Quanto a este, estava com a mala aberta sobre a cama que escolhera, provavelmente procurando por algo.
— Quem é essa daí mesmo? — ele perguntou, de costas para Yuri, estudando a peça de roupa que atirou sobre a cama. — To até agora tentando me lembrar.
Yuri acomodou-se na cama que sobrara. Como não estava pagando nenhum tostão, não tinha o direito de escolher. Na verdade, mesmo se pudesse, não é como se houvesse grande diferença entre uma e outra; percebeu, de repente, que se aborrecer sobre isso era apenas caçar motivos para implicar com Fred. Relaxa filho, ponderou mentalmente.
— Sério que você não se lembra? Eu a conheci em uma das festas que tu me levou quando eu era calouro — Fred ainda parecia perdido, e não era de se estranhar, afinal foram tantas festas que o levara, e quando estavam nelas, ele quase sempre acabava perdido entre as pernas de alguma moça. — Nós dois chegamos a ficar, eu e ela, foi bem legal. Não lembra? O cabelo acho que tava rosa, roxo, laranja, não lembro, várias cores de uma só vez.
Fred deixou escapar um sorriso nostálgico enquanto tirava os sapatos.
— Ah, mano, lembrei. Pode crê — ele levantou e começou a tirar a calça. — Tempos bons aqueles...
Yuri engoliu em seco, tentando manter a naturalidade com um Fred diante dele apenas de camiseta e cueca slip branca. Nada demais, nada demais, repetia mentalmente, Se eu desviar o olhar, vai ser o mesmo que me entregar. Os dois já tinham se trocado um na frente do outro diversas vezes antes, mas agora Yuri fora tomado por um indesejado déjà vu do primeiro semestre, quando acreditava estar apaixonado pelo playboy. Eu não devia ter vindo pra esse fim de mundo.
— Quanto tempo vamos ficar aqui? — perguntou Yuri.
Fred agora estava vestido numa bermuda larga, aparentemente confortável. Yuri tentava se convencer de que se naquela época ele estava apenas confuso, era provável que dessa vez fosse o mesmo caso. Vai passar.
— O tempo que for necessário até você se sentir melhor — ele respondeu enquanto fechava a mala. — Temos algumas semanas até o próximo semestre. Ou você tem outros planos?
— Eu... — Yuri fechou os olhos, pensativo. Fred só tá tentando ser um bom amigo, percebeu, quase se sentindo culpado. Tinha aceitado viajar com ele em primeiro lugar, precisava parar de tentar encontrar defeito ou problema em tudo e relaxar. — Esquece.
***
Yuri se juntou a Dora na parte externa do retiro, sentando-se abaixo de uma árvore, sobre uma manta verde. Havia uma cesta com alguns alimentos, como se fosse um piquenique, e outra com adereços.
— Já se acomodaram? — Ela perguntou, com um olhar gentil.
— Sim... Aqui é um lugar muito bonito — respondeu ele, simpático.
A mulher entregou um adereço para Yuri, que o aproximou dos olhos, para estudá-lo melhor.
— O que é isso?
— Um filtro dos sonhos. Pra você pôr em seu quarto.
— E pra que serve? Vai me livrar dos pesadelos? — ele sorriu, de um jeito levemente irônico.
— Povos originários da América do Norte acreditavam que durante as noites, o ar carregava sonhos até as pessoas. Esse amuleto servia para prender tudo que era ruim, incluindo os pesadelos, deixando atravessar apenas o que fosse bom — ela explicou.
Yuri estava cético, mas não podia fazer pouco de uma tradição de povos nativos. Precisava ser mais agradável com Dora.
— Muito obrigado. A senhora acha que funciona?
A mãe de Lumiar soltou um suspiro.
— Não é o suficiente. Pesadelos vão sempre te acompanhar, o que nós precisamos que você aprenda é a não permitir que eles te afetem mais — ela tocou o rosto de Yuri suavemente. — Eu vejo muita angústia em você, rapaz. Muito medo escondido aí dentro. Quando você estiver pronto para enfrentar tudo isso, eu vou poder te ajudar. Mas é um caminho que só você pode trilhar.
***
Nina estava agachada, alimentando patos no lago quando Yuri se juntou a ela. O sol estava se pondo e o ar era muito mais fresco.
— E aí? Gostando do primeiro dia? — ela perguntou, com os olhos fixos nas aves.
— Não sei se vou me acostumar com a comida daqui — confessou, cruzando os braços em pé, ao lado da funcionária.
— Ah, eu já era vegana antes, você vai se acostumar. Até o paladar é possível ser desintoxicado, sabia? Eu conheci o verdadeiro sabor do café apenas quando parei de tomá-lo com açúcar.
— Eu já tentei e...
— E quem foi que disse que eu gostei? Conheci o gosto real e parei de tomar. Ainda bem que aqui só servimos chá — ela completou, com bom humor. Depois se levantou e ficou em pé, de lado para Yuri, observando o lago. — Você tem que ver isso, desintoxicar a sua mente, ver o que realmente te agrada e o que apenas um adoçante tornou mais fácil de engolir.
Yuri ficou pensativo.
— Mais tarde vai ser o ritual com o xamã, vamos ter um chá... mágico, vamos dizer assim. Se você tomar, vai ser o momento de encontrar suas melhores fantasias ou de encarar a escuridão que existe dentro de seu coração, nunca se sabe. Caso não esteja preparado para o segundo, melhor repensar. Às vezes, a viagem dá muito errado — ela advertiu.
***
— Eu não posso ir? — Fred perguntou, em pé ao lado de Fábio.
— Apenas quem vai participar pode se juntar a gente — Fábio explicou.
Fred virou-se para Yuri.
— Você vai mesmo? — quis saber, perguntando só para ele.
— Eu já estou aqui. Não vai ser nada demais. Dona Dora disse que seria importante que eu fosse.
Deu alguns passos e seguiu com Fábio rumo a parte externa de Lumiar. Sentia um frio na barriga, lembrando-se do alerta de Nina a cada passo que dava. Ninguém estava o obrigando a nada, podia dar meia volta e ir ao encontro de Fred nesse instante se quisesse, mas a curiosidade falava mais alto.
Ele se juntou a uma dezena de pessoas que estavam organizadas em volta de uma fogueira, sentando-se sozinho em uma pequena manta de cor vermelha. Alguns nativos comandavam o ritual e todos os outros estavam quietos, apenas observando e ouvindo o som da música que eles tocavam. De repente, Dora veio até ele, entregando-lhe um copo com um liquido desconhecido dentro.
Era o chá que Nina havia mencionado. Yuri segurou o copo com as duas mãos, pensativo. Tinha muito medo, mas não sabia dizer de quê. Por um momento, desejou que Fred estivesse ali com ele. Mas não estava, lembrou-se das palavras da mãe de Lumiar: "é um caminho que só você pode trilhar", e, ao ver todo mundo em sua volta tomar a bebida, também virou a sua na boca.
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Do I make you cringe? (Fred & Yuri)
FanficSeguimos uma realidade paralela à fase atual da novela. Quando Yuri leva um fora de Jenifer, ele se aproxima de Fred, que faz dele o novo "amigo bolsista" que vai ocupar o espaço de Tatá, uma vez que esse passou a sair mais com a namorada que com os...