Teto de Vidro

272 11 16
                                    

A primeira sexta-feira do semestre havia chegado. Apesar de gostar da rotina do ICAES, aquela fora uma semana estressante e, por isso, Yuri não via a hora de passar o final de semana em paz, sem precisar se preocupar em ter que cruzar com Fred ou Fernando ao dobrar algum corredor. E o melhor de tudo era que começo de período não havia trabalhos para fazer, de modo que o único dever de casa eram alguns capítulos para ler.

Numa das mesas do Bar do Simas, Yuri, Jenifer, Bela, Kate e Rafa esperavam pelo almoço, uns se refrescavam com água e outros com cerveja. Após uma conversa pesada sobre Theo, o assunto virou os enlaces amorosos do grupo.

— Eu tenho muita sorte da Kate ter cruzado o meu caminho — declarou-se Rafael, recebendo um beijinho da namorada e arrancando suspiros da mesa.

O breve envolvimento entre Rafa e Jenifer, antes de descobrirem que eram irmãos, virou um assunto proibido entre o grupo, e todo mundo tinha noção de passar longe daquele tópico. Até mesmo quando estavam sozinhos em casa, a filha de Sol evitava falar sobre, apesar de que certa vez lhe confessara ser muito grata a Deus por nenhum dos dois ter se atrevido a avançar mais do que uns beijinhos, o que lhe fez chegar a conclusão de que um namoro cristão nunca deve ter sido tão bem-vindo na história.

— Eu faço muito gosto — a irmã de Rafa falou, de um jeito realmente sincero.

Kate deu uma piscadela para a melhor amiga e em seguida mirou em Yuri e Bela.

— E você Bela, tão linda, tão poderosa, não deveria tá jogada aí as traças. Por que não namora o Yuri? Está desiludida com os cariocas?

Os dois amigos trocaram um olhar de cumplicidade e então riram um do outro.

— Nós somos... — ia dizer "como irmãos", mas diante do que aconteceu com Jenifer e Rafa, percebeu que poderia não soar adequado, tendo que improvisar rapidamente: — bons amigos.

— Ele não me quer amiga, vê se pode um trem desses? — brincou a moça ao seu lado. — A verdade é que eu to muito feliz sozinha.

— Ela até saiu com o Vini por um tempo — Jenifer fofocou.

— Com aquele pão de mel? De boba você só tem a cara — Kate brincou mais uma vez.

— E não só ele, tá — Bela revelou, se gabando.

— O que falam do povo de Minas parece que é verdade mesmo sô — brincou Yuri.

Nesse instante, Fred chegou no bar acompanhado de Tatá, Juliete, Bia, Domênico, Simone e Guzman. Todos se olharam, mas ninguém levantou da mesa e ninguém veio até eles para cumprimentar. Rafa acenou para o amigo com empolgação, e recebeu em resposta um aceno discreto com a cabeça e um sorriso amarelo antes de se juntar aos colegas em outra mesa.

— Ih, Frederico anda tão estranho nos últimos dias — Kate apontou.

Rafa continuou olhando para a mesa dos recém-chegados com um ar pensativo.

— O pior é que eu quase não consegui falar com ele essa semana — o filho de Clara contou antes de direcionar o olhar para Yuri: — Yuri, você sabe de alguma coisa que eu não sei?

— Eu? — perguntou em sobressalto. Seus olhos procuraram por Jenifer como quem pedia por socorro.

— Você não ficou sabendo? Os aquilombados vão montar uma chapa para concorrer às eleições do DCE. Bela e Yuri se tornaram inimigos mortais dele agora — a crente explicou.

— Nem vá se excluindo, dona Jenifer! A gente quer você em nossa chapa — Bela intimou.

— Tô pensando no caso, já falei — a outra respondeu.

— Ela vai aceitar — Bela comunicou para Kate e Rafa.

— Ah não, é sério isso? Só pode ser caô! Quer dizer que ele parou de falar com vocês por causa de uma briguinha política? — Kate estranhou, depois olhou para Yuri com uma expressão analítica. — Vocês tavam sempre juntos, pra cima e pra baixo, eu até cheguei a pensar que tava rolando algo.

Yuri cuspiu a cerveja que estava bebendo na mesma hora, Rafael levantou depressa e veio ao seu socorro, dando alguns tapas em suas costas. Tudo isso enquanto as meninas se acabavam de rir.

— Yuri com o Fred, já pensou? — divertia-se Bela.

— Nada a ver — falou Yuri após recuperar o fôlego. — Valeu Rafa.

— Seja como for, eu acho esses assuntos de eleições de vocês um verdadeiro porre. Mas se ganharem, espero que lembrem dos amigos pobres, especialmente dessa que vos fala. Não aguento mais ficar fugindo de seguranças pra vender meus sanduíches!

***

Estava lavando as mãos em uma das pias do balcão do banheiro pensando nos desvios de assunto que fizera minutos atrás quando a porta abriu e, pelo espelho, vira uma figura familiar se introduzindo no ambiente.

Mateus vestia uma calça jeans, uma regata laranja e um tênis verde. Ao perceber que era Yuri que estava ali, fez questão de se aproximar, encostando ao lado dele na bancada e cruzando os braços.

— Boa tarde, talarico do icaes! — cumprimentou com deboche.

Yuri respondeu com o mesmo veneno:

— Boa tarde, paparazzo de Piedade!

Mateus soltou uma gargalhada, batendo uma palminha e jogando a cabeça para trás.

— Eu sei que foi você que mandou aquelas fotos pro Fernando — continuou, encarando o outro de forma séria dessa vez. Queria ter aquela conversa antes, mas não teve oportunidade.

Mateus podia ser mais alto, mas não era dois. Se ele cair pra dentro, eu quebro ele todinho!, pensava, o sangue começando a esquentar de raiva.

— Gostou? Eu posso mandar pra você também, caso queira de lembrança.

O ex de Fernando olhava para Yuri numa posição de superioridade que o mais novo não entendia de onde vinha, e essa era a principal característica dele que lhe tirava do sério.

— Vá a merda! — o mais novo xingou, virando de costas e dando os primeiros passos em direção da porta por onde entrou. Já tinha conseguido a comprovação que queria e achou que seria melhor voltar para sua mesa antes que acabasse fazendo uma besteira.

— Largar um cara bem-resolvido e gostoso como Fernando pra correr atrás do amigo hetero... Quantos anos você tem, benzinho? 15?

Yuri avançou para cima de Mateus, parando bem na frente dele.

— Não fala o que tu... — começou a dizer, cerrando o punho. Parou ao perceber que não devia nenhuma explicação sobre sua vida para aquele sujeito. — Você já conseguiu o que queria, não foi? — Domênico entrou no banheiro nesse instante, lançou um olhar de estranheza para a cena e depois foi até uma das cabines livres, ignorando a discussão. — Pode correr atrás do Fernando, eu não vou mais me meter.

Mateus girou para o lado, se livrando do olhar intimidador de Yuri e encostando na parede que separava as cabines.

— Cê acha mesmo que eu quero o Nandinho de volta? — o rapaz riu. — Ao contrário de vocês dois, eu tenho algo chamado amor próprio. Só mandei as fotos por diversão. Você não imagina como foi satisfatório saber que a testa dele estava cheia de chifres.

Que filho da mãe...

— Mano, tu é muito escroto — xingou-o outra vez. Antes imaginava que o ex de Fernando fez o que fez porque ainda o amava, fazia mais sentido pensar assim, contudo,  não passou de mágoa, de um gesto de vingança. O quão ridículo isso era? E o desgraçado ainda tinha a coragem de lhe acusar de ser infantil!

Para total surpresa do bolsista, Mateus começou a cantar de repente:

— QUEM NÃO TEM TETO DE VIDRO QUE ATIRE A PRIMEIRA PEDRAAA.

Cansado de bater palmas para maluco dançar, Yuri revirou os olhos e foi embora.

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora