O Flagrante

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Na saída do beco, havia um carro preto parado junto ao meio fio, um modelo antigo que Yuri só tinha visto em filmes de época. O bolsista não entendia o porquê, mas sentia uma urgência de entrar no veículo, e foi para lá que suas pernas o levaram.

— Tudo certo? — perguntou Guzman, que estava vestido em um estranho terno escuro atravessado por listras brancas, com um lenço vermelho no bolso do peito e um chapéu preto na cabeça, também usava um óculos escuro, apesar de ser noite.

— Já despachei o bagulho — as palavras simplesmente escaparam de sua boca ao mesmo tempo em que depositara uma mala cheia de dólares no banco de trás do carro.

Guzman virou-se para ver o dinheiro com os próprios olhos e então deu uma risada de satisfação. Um de seus dentes parecia ser de ouro.

— Tamo rico — ele vibrou. — Vamos conquistar a América!

— Não acha que já temos o suficiente? — perguntou, sem gozar do mesmo entusiasmo.

A mão do traficante veio até seu rosto, envolvendo-o com uma ternura atrapalhada.

— Estamos apenas começando — disse ele, inclinando-se em sua direção.

Yuri ficou completamente paralisado enquanto assistia, apavorado, o rapaz encurtar a distância entre os dois. Em poucos segundos, os lábios dele estavam colados nos seus. Pensou que tudo aquilo era uma loucura, mas não recuou, ao invés disso, fechou os olhos e permitiu-se viver a experiência.

De repente, algo bateu no vidro do carro, separando-os bruscamente. Era a polícia. Seu coração acelerou no mesmo instante.

— Calma — Guzman lhe pediu, apanhando uma arma com uma mão enquanto abaixava o vidro da janela com a outra.

— Estou atrapalhando? — Perguntou o policial, com um notório desdém.

E quando este se abaixou, apoiando o braço na janela do carro, Yuri tomou um novo susto. Era Fred vestido em uma farda da polícia.


Acordou assustado antes que o pior acontecesse, respirando aliviado ao perceber que estava seguro no quartinho improvisado da casa de Sol. Levou dois dedos aos lábios enquanto fitava o teto escuro, pensativo. Eu tô ficando maluco?, divagou, antes de tentar voltar a dormir.


***


As aulas foram completamente desinteressantes, obrigando o estudante de direito a travar uma verdadeira batalha contra o sono. Bella faltou, o que era estranho pois ela era daquelas que vinha para a faculdade mesmo doente, assim ficou sozinho ao lado de Jenifer, fofocando baixinho entre uma aula e outra.

Na hora da saída, reuniu-se com os companheiros de chapa para debater detalhes sobre a campanha e fazer orçamento para os panfletos e cartazes. Estavam todos preocupados com os Jogos Jurídicos, que ocorreria antes das eleições e era um evento que favorecia a gestão atual.

— A gente precisa deixar claro que essas atividades ocorrerão independente da chapa que estiver no comando — Vini apontou. — Tem gente dizendo que a gente é contra o esporte.

Ítalo balançou a cabeça, em negação.

— Não sei se onde tiraram isso — queixou-se Luíza.

— O que a gente é contra é que apenas um curso seja favorecido com esse tipo de evento e que apenas o esporte receba essa dedicação — apontou Jordana.

— E é um ponto que podemos bater. Será que o nosso querido Presidente favorece demais o seu próprio curso? — Vini sugeriu.

Todos olharam para Yuri e Jenifer.

— Eu não discordo de vocês — a filha de Sol falou, se esquivando. — O ICAES é referência na formação de advogados, então vocês já viram...

— Pra ser sincero, não reparei em nada disso. Se tem uma coisa que Fred gosta, é de farra. Qualquer evento que sirva de desculpa pra festejar, ele tá lá incentivando — defendeu Yuri. Ao perceber que não agradou, decidiu acrescentar: — Mas entendo o ponto de vocês, de fato a chapa atual tem muito mais uma galera de direito.

E a conversa seguiu por mais alguns minutos, até dar a sua hora de ir trabalhar. Assim, despediu-se de todos e deixou a sala.

Ao atravessar um dos corredores do ICAES, encontrou Otávio vindo em sua direção.

— Tu viu Fred por aí? — ele perguntou, meio ofegante por ter apressado os passos até lhe alcançar.

— Não vi ele hoje, por que?

— Ele sumiu e eu tô com a mochila dele aqui. Tu pode entregar pra mim? Se eu não for agora, vou acabar me atrasando pro estágio — pediu e, sem esperar por resposta, já lhe passara a mochila que segurava.

Sua vontade era de recusar, pois estava na hora de ir para o bar e não tinha certeza se queria encontrar com o playboy agora, mas como explicaria isso para Tatá?

— Beleza, vou ver se encontro ele por aí — concordou.


~~~


Após alguns minutos batendo perna para cima e para baixo no campus, conseguiu avistar de longe o momento em que Fred entrara em um dos banheiros.

O banheiro estava surpreendentemente limpo, como se a equipe de limpeza tivesse acabado de passar por ele, e, aparentemente, vazio, afinal a maioria dos estudantes já tinham ido embora. Ao contrário do que imaginara, o playboy não estava nos mictórios, então ficou quieto enquanto esperava por ele sair de uma das cabines.

Quando o primeiro minuto se passou, começou a se sentir constrangido e ridículo por estar ali, esperando um homem usar o banheiro. Ver sua imagem refletida no grande espelho da parede só piorava a situação. Vou esperar lá fora, decidiu. Mas assim que deu dois passos em direção à porta, teve a impressão de ter ouvido algo que não conseguiu identificar. Uma voz, talvez um sussurro, uma tosse, talvez um engasgo.

Num primeiro momento, pensou em ignorar e sair, como planejava fazer. Mas foi tomado por uma curiosidade súbita e poderosa. Assim, deu alguns passos cautelosos até a área das cabines, espiando discretamente a abertura inferior de cada porta.

Descobriu, então, que na última cabine haviam duas pessoas e não uma, como deveria ser. Uma pessoa estava em pé, viu o sapato. Fred. E em frente a este, havia alguém de joelhos no chão, tudo que viu foi uma calça jeans e um all star laranja.

Engoliu em seco, sentindo o coração disparar dentro do peito, uma sensação que não conseguia identificar, mas que julgara ser medo de alguém abrir a porta e encontrar-lhe espiando. Apesar da curiosidade para saber quem era que estava ali com o seu ex e da vontade de interromper o ato como se este lhe devesse alguma explicação, Yuri virou de costas e, com a cabeça cheia de pensamentos, partiu rumo a saída do banheiro. 

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora