Sob a superfície

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As noites em Lumiar eram frias, e não tinham como ser diferentes afinal estavam em uma serra. Ao menos o interior do refúgio era quentinho e aconchegante. Até por isso Yuri não fez nenhuma questão de acompanhar Fred, preferiu ficar na cozinha, continuando a conversa que estava tendo com Nina. Era sempre fácil conversar com ela, o método preferido de Yuri para passar o tempo naquele lugar. Após vários minutos (meia hora, uma hora, talvez mais) falando sobre banalidades, a conversa se direcionou para um tópico mais íntimo.

— E os pesadelos? Teve mais algum? — ela perguntou, os cotovelos apoiados sobre a mesa de madeira.

— Engraçado. Desde que cheguei aqui, não os tive mais. A não ser que considere o dia do chá como um grande pesadelo, daí o total é de apenas uma noite bem dormida.

— Andei pensando sobre as coisas que você me contou ter visto — comentou ela, dando uma pausa.

Yuri também pensava muito sobre isso, principalmente quando estava sozinho, mesmo assim não encontrava nenhuma resposta.

— E o que você acha? — perguntou, em busca de alguma opinião de fora.

Nina soltou um suspiro e se ajeitou sobre a cadeira.

— Eu e você temos em comum o fato de termos crescido num lar religioso, por esse motivo eu acho que te entendo bem. Nesse meio somos criados a base da culpa. Ela nos acompanha por todos os lugares que vamos, como um fantasma mal intencionado, e mesmo quando a gente vai embora da casa dos pais e achamos que finalmente estamos livres para voar por aí, descobrimos que esse fantasma continua ali, como uma sombra — ela olhou para Yuri, que estava quieto ouvindo-a falar. — Lembra daquela conversa que a gente teve lááá naquele clube? Sobre viver com medo? — Yuri fez que sim — Então, eu acho que você ainda precisa exorcizar esse encosto para poder viver como merece, para dormir mais tranquilo, para encontrar o que vai te fazer feliz.

O rapaz ficou em silêncio por alguns segundos, pensando em cada palavra ouvida.

— Eu vou tentar... prometo — respondeu, enfim.

Os dois deram as mãos, consolidando a parceria que haviam desenvolvido nesse pouco tempo juntos.

— Você já tá conseguindo. Um passo de cada vez, lembra?

Um grupo de hóspedes invadiu a cozinha fazendo barulho, incluindo Raul com o violão. Eles começaram a conversar sobre como passaram o dia e o que iriam fazer na manhã seguinte. Pouco tempo depois, Yuri despediu-se deles, levantou-se da mesa e deixou o refeitório. Encontrou Dora no hall de entrada, em conversa com Cristal, Jade e Fábio. Antes de subir para o seu quarto, ele parou para cumprimentar o quarteto.

— Ah, Frederico ficou lá fora, sozinho, precisando de uma boa companhia. Você não quer se juntar a ele? Ainda está cedo — sugeriu Dora.

Yuri refletiu por alguns segundos. Fred havia se chateado com ele por causa da conversa sobre o celular, podia ser um bom momento para os dois se acertarem. Também não estava com um pingo de sono, então ajudaria a passar o tempo.

— É, pode ser. Eu vou lá trocar ideia com ele.

***

Assim que deu os primeiros passos do lado de fora, recebendo uma rajada de vento gelado na cara, Yuri percebeu que havia cometido um erro ao sair sem um casaco. Além do frio, sentia-se ansioso, inquieto, mesmo sem ter uma razão para isso. Era como uma sensação de que algo estava prestes a acontecer, mas o que poderia lhe acontecer ali? Nada, a não ser que um raio caia em minha cabeça, estudou o céu e realmente parecia que ia chover, mas talvez não fosse para tanto. Por um momento, ele cogitou dar meia volta e ir para o seu quarto, mas a preguiça o fez reconsiderar e então seguiu caminhando até onde deveria estar.

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora