Grupo

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Tinham armado as mesas e as cadeiras próximas de uma das bandeiras verdes que foram espalhadas pela praia para indicar baixo risco. Vez ou outra Yuri se perdia olhando para ela, vendo-a dançar com o vento que vinha do mar, refletindo sobre o significado daquele aviso. Havia um assim naquele seu aniversário? Ele não conseguia se lembrar, e se tivesse, teria deixado de entrar no mar? Provavelmente não. Naquela época, ele era uma criança impulsiva, travessa, inconsequente, corajosa e feliz.

Estava sozinho vigiando os pertences de todos quando Rafael se juntou a ele, segurando a máquina fotográfica que sempre carregava consigo.

— Tirei uma foto sua — admitiu ele.

— Pegou um ângulo bom? — Yuri perguntou em tom de brincadeira.

— Um familiar — respondeu o aspirante a fotógrafo, sentando-se bem ao lado de Yuri.

— Como assim?

— Esse seu olhar pro mar, você aqui enquanto todos estão se divertindo na água. Eu acabei me vendo um pouco em você — o namorado de Kate respondeu.

— Ah... Também tinha medo do mar?

— Pior que isso. O contato com as pessoas me aterrorizava. Só de pensar em estar assim, no meio de toda essa gente, eu já não conseguia mais me mexer.

Yuri observou-o com atenção.

— E veja onde você tá agora — constatou, num tom positivo.

Rafa esboçou um sorriso orgulhoso.

— Tive que enfrentar muita coisa para estar aqui hoje. O medo é necessário para nossa sobrevivência, mas ele também nos amarra, nos impede de viver experiências que queremos viver... e eu sei que você queria estar lá com todos. Porque eu também queria, muito, mas não conseguia e então fingia não querer.

Yuri desviou o olhar para o mar, pensativo.

— Talvez você tenha razão. Mas é difícil, concorda? Lidar com esses traumas...

Rafa tocou em seu ombro em sinal de conforto.

— Sozinho? Sim, muito. Com o tempo aprendi que compartilhar meus medos com alguém, tornaria as coisas mais fáceis, daí fui deixando que algumas pessoas segurassem minha mão. Fred foi um desses. E ele nunca desistiu de mim. Acho que nunca disse isso a ele porque, você sabe, ele já tem um ego muito grande, mas sou bem grato por tudo que fez por mim.

— Não precisa dizer nada, ele sabe. Se tem alguém que Fred gosta muito nessa vida, esse alguém é você — Yuri contou.

— E de você também. Eu deveria sentir ciúmes por você estar roubando meu melhor amigo — Rafa brincou.

Não do jeito que você imagina, Yuri pensou enquanto coçava a cabeça e sorria de forma amistosa em resposta a brincadeira.

— Já jogou rpg? — O irmão de Jenifer perguntou do nada. — A gente jogava quando éramos mais novos... mais por insistência minha, admito. Fred sempre ia de tanque, que ia na frente levando todo o dano enquanto eu sempre escolhia o frágil mago, escondido atrás dele, usando minhas magias... — Os dois riram, Yuri tentando entender o rumo da conversa enquanto criava um cenário de jogo na cabeça. Achava que tanque era uma boa escolha, embora preferisse ser um arqueiro. — Eu não sei se ele gostava mesmo dessa classe ou só a escolhia pra que nosso grupo ficasse mais protegido, só sei que funcionava, a gente era uma boa dupla.

— Imagino que sim — Yuri concordou.

— Fora do jogo, Fred é muito esse cara que se coloca na frente pra proteger quem ele gosta. Então, se você tiver com medo, deixa ele segurar tua mão. Vai ficar mais fácil com um amigo do lado.

— Pode deixar, vou convidar ele pro meu grupo algum dia — Yuri brincou, varrendo a praia com os olhos à procura do playboy.

— Pode levar, tenho a Kate agora. E ela dá duas ou mais dele — respondeu Rafa, ainda em tom descontraído.

***

Yuri encontrou Hugo em um dos quiosques da praia, conversando com um turista. Passou por ele tentando não chamar atenção e foi até o balcão, para comprar uma água para Jenifer. Os outros do grupo ficaram para trás, reunidos na mesa beliscando a comida que Kate trouxe.

Ele pagou pela água, segurou a garrafa e ficou encarando os litros de cachaça enfileirados sobre a prateleira, perguntando-se se deveria pedir uma dose de algo mais forte que a cerveja que estava tomando. Talvez a coragem que ele precisava para encarar o seu medo estivesse dentro de uma daquelas garrafas.

— Isso não vai te ajudar — Hugo falou, parado ao seu lado. Yuri olhou para ele sem entender nada e ele apontou com o rosto para a água.

— É pra sua namorada — revelou.

— Ah... Você tá muito travadão, todo mundo já se ligou na tua. Achei que tava procurando algo pra se soltar mais...

— Pra falar a verdade, pensei em beber uma dose de...

Hugo riu, interrompendo a fala de Yuri.

— Esquece isso. Tenho algo mais forte pra tu.

O novo crente da Piedade enfiou a mão no bolso da bermuda e mostrou algo para Yuri disfarçadamente, dando pra ver nada além de um saquinho plástico, que era o suficiente para que ele soubesse o que era.

— Isso é... Porra Hugo! — Yuri exclamou, balançando a cabeça em negação.

— Shh! — O outro pediu, encarando-o com uma sobrancelha arqueada.

— Não tô acreditando que você trouxe isso com a gente. Se os homi nos para... tava todo mundo fodido — censurou ele, em um tom de voz muito baixo.

— Se não quer, esquece que eu te mostrei.

Yuri balançou a cabeça de novo, decepcionado.

— Jeni tá acreditando que você mudou. E eu também achava isso.

Hugo pigarreou, incomodado.

— Ih, qual foi menor? Tu acha que é fácil assim sair do movimento? Eu tô preso a essa merda até me liberarem. Não tenho escolha — justificou-se.

Yuri parou até de respirar quando dois caras passaram direto por eles com trajes de bombeiro. Estava com o coração acelerado, com medo de que a qualquer momento alguém os flagrasse.

— Você devia contar pra Jeni.

Hugo levou a mão até o pescoço de Yuri, segurando-o com força, forçando-o a encará-lo.

— Ninguém vai saber, tá ligado? Ou a coisa... não vai ficar muito boa pro teu lado — não elevou o tom de voz, mas Yuri entendeu claramente como uma ameaça.

Entregou a garrafa com água para Hugo.

— Leva pra Jenifer — pediu, antes de sair em disparada rumo ao mar.

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora